quarta-feira, 1 de maio de 2013

3173) Dois desabamentos (30.4.2013)




(O minarete de Aleppo)


Abri a página da Wikipedia para consultar alguma coisa e vi essas notícias lado a lado. (Intervalo: Sim, eu consulto a Wikipedia. Já trabalhei anos em enciclopédia. Toda enciclopédia tem erros. A Britânica tem tantos erros quanto a Wiki. Para informação básica, nomes, fatos, datas, títulos, números, todas são igualmente (des)confiáveis. E a Wiki eletrônica remete direto às fontes, coisa que no papel é impossível fazer. Fim do intervalo.) Bem, eis as notícias:

1) A destruição do minarete da mesquita de Aleppo (Síria), no último dia 24 de abril, na luta entre o governo e os rebeldes, que se acusam mutuamente de ter bombardeado o monumento. A mesquita já foi destruída e reconstruída várias vezes: após um incêndio em 1159, após a invasão mongol em 1260, etc. O minarete, construído em 1090, era a parte mais antiga ainda intacta. Agora, é uma pilha de tijolos quebrados e poeira.

2) O desabamento (no mesmo dia 24) de um prédio comercial de oito andares em Bangladesh. No prédio trabalhavam operários em confecções de tecidos, inclusive para empresas como Benetton, Walmart, etc. Na véspera do acidente tinham sido avistadas rachaduras, mas os proprietários garantiram que não era nada de mais. Na hora do desabamento, 9 da manhã, havia 3.122 pessoas no prédio; até agora há 348 mortos e mais de mil feridos.

Quando vi essas duas notícias lado a lado, me entristeci pela destruição do minarete, uma relíquia histórica; a queda do prédio cheio de costureiras não me abalou tanto. Pelo menos foi assim durante uns dez segundos, até que resolvi voltar, reler tudo e descobrir por que dou mais valor a um minarete do que a trezentas pessoas.

A questão, me parece, é que o minarete é um indivíduo, e aquelas pessoas não são. É um indivíduo porque tem nome, tem foto, tem descrição, tem uma história própria. É cercado de fatos históricos, de análises arquitetônicas. Milhares de turistas já o fotografaram. Já as costureiras anônimas de Bangladesh não têm individualidade, são uma massa amorfa de estatísticas. Ninguém jamais saiu do Rio de Janeiro para tirar foto com uma delas.

Por isto o jornalismo nos aconselha: particularize. Ninguém se comove com a morte de mil pessoas, mas alguém se comoverá se você disser que uma delas tinha 22 anos, se chamava Salima, morava com o pai viúvo, era casada com um músico, e tinha acabado de deixar a filhinha de 2 anos na creche do andar térreo. Basta essa breve silhueta (inventada: não tive coragem de ler as histórias reais) para que o jornalismo deixe de lado a impessoalidade da estatísticas sociológicas e se aproxime da literatura, a quem cabe, no fim das contas, contar a comédia e a tragédia humana.



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