terça-feira, 23 de abril de 2013

3167) Monteiro Lobato e Mark Twain (23.4.2013)





O que há em comum entre esses dois escritores, além do fato de que estão entre os primeiros que li, e os mais queridos? Uma porção de coisas.  Ambos foram escritores com uma obra para adultos séria e relevante, mas acabaram se tornando famosos como autores para jovens, em função de seus livros de maior sucesso. A imensa maioria dos que os conhecem leram apenas essas obras infanto-juvenis e desconhecem seus livros mais complexos.

Monteiro Lobato é famoso pela sua série de romances do Sítio do Picapau Amarelo, mas só é conhecido no Brasil. Às vezes imagino o susto e o maravilhamento de meninos ingleses, japoneses, norte-americanos, quenianos, se pudessem ler boas traduções dessas obras e conhecer um mundo de surpresas inesgotáveis. Mark Twain escreveu alguns livros com as aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn, dois garotos rurais num ambiente mais realista do que o de Lobato, mas igualmente divertido. Aliás, Lobato fez adaptações de livros de Twain para a Editora Brasiliense, e talvez tenha sido através dele que muitos brasileiros conheceram o norte-americano.

Ambos tiveram flertes com a ficção científica. Lobato com o histórico O Presidente Negro (1926) e alguns volumes infantis (A Chave do Tamanho, Viagem ao Céu, A Reforma da Natureza); Twain com Um Ianque na Corte do Rei Artur (1889), uma história clássica de viagem no tempo, mesmo que sem explicação técnica de como isso aconteceu, e numerosos contos já reunidos em coletâneas. Ambos tiveram interesse pelo lado prático da literatura: Lobato criando a Companhia Editora Nacional e outros empreendimentos semelhantes, e Twain investindo todo seu dinheiro (e dos amigos) numa máquina impressora que pretendia concorrer com o linotipo. (Ambos deram com os burros nágua e perderam fortunas.)

E ambos foram acusados de racismo por terem escrito romances em que adultos negros apareciam sendo maltratados ou ridicularizados por crianças brancas: a Tia Nastácia de Lobato e o escravo Jim de As aventuras de Huck. Uma acusação injusta por ignorar a pressão da mentalidade do tempo em que viveram. Talvez o mesmo venha a acontecer conosco, que os acusamos. Se o Brasil virar um dia uma democracia racial sem Casa Grande nem Senzala, nossos descendentes nos considerarão racistas e escravocratas pelo fato de que pagávamos pessoas negras para cozinharem nossa comida, lavarem nossa roupa e cuidarem dos nossos bebês. Achamos tudo isto uma coisa normal, faz parte do mecanismo social em que crescemos, e é difícil para nós imaginar que os brasileiros do futuro talvez olhem para nós com repulsa e mandem tirar nossos livros das bibliotecas eletrônicas de suas escolas.



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