quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

3097) O plágio poético - 3 (31.1.2013)






A facilidade de plagiar um poema, maior do que plagiar um filme (que custa uma fortuna) ou um romance (que dá um trabalhão) faz do plágio poético um crime difícil de registrar. Plagiar poemas é fácil, ainda mais agora. Eu posso ler na Internet, numa revista croata, a tradução em inglês de um poema feito por um autor italiano que mora na Holanda (a poesia é mais internacional do que a World Wide Web). Não me custa nada – se eu for um larápio, um calhordinha – copiar esse texto inglês, dar-lhe novo título, traduzi-lo (substituindo por outra coisa as partes que eu não entender), e – voilà! Um poema em português, inédito. Nem no Google você rastreia.

Talvez seja essa facilidade, que já existia na era pré-Internet, que inspirou Roberto Bolaño a criar um dos personagem mais divertidos de seu livro A Literatura Nazista nas Américas (1996). O livro é um conjunto de biografias de 30 literatos, simpatizantes do fascismo, do nazismo, de ideologias de extrema direita. Todos são imaginários, mas é difícil ler essas sinopses (cada uma vai de duas a dez páginas) sem pensar: “Conheci um Fulano que era exatamente assim”.

A certa altura Bolaño nos apresenta o haitiano Max Mirebalais, plagiador compulsivo. De origem humilde, ele começou a trabalhar num jornal local e, como assistente de colunista social, teve acesso um dia às festas nas mansões dos ricos. Diz Bolaño: “Assim que ele descobriu aquele mundo, quis pertencer a ele”. Decidiu fazê-lo através do ‘status’ de poeta, e começou plagiando Aimé Césaire. Ninguém percebeu, e ele passou a plagiar (e publicar) poemas de René Depestre. Todo mundo adorou, e ele atacou a obra de Anthony Phelps, Jean Dieudonné Garçon e muito outros.

A irresistível ascensão social de Max Mirebalais é tão fulminante (porque, ao que parece, ninguém lê poesia haitiana no Haiti, a menos que seja amigo do poeta) que ele vai morar na Europa, e precisa criar heterônimos. Diz Bolaño: “Foi assim que nasceu Max Le Gueule: a chave de ouro da arte do plagiador, uma salada dos poetas de Quebec, Tunísia, Argélia, Marrocos, Líbano, Camarões, Congo, República Centro-africana e Nigéria”.

Plagiar gente obscura é uma maneira fácil de sair da obscuridade, desde que o plagiador tenha acesso a canais de divulgação que são inacessíveis ao plagiado. E é em casos assim que o plágio deve ser punido: quando alguém copia e assina, de modo deliberado e mal-intencionado, a obra de alguém que não pode se defender desse ataque. Em casos assim, amigos, não existe papo de “compartilhamento” ou de que “a poesia é de todos”. Como dizem os nossos poetas, “todo o bem que eu desejo a gente ruim / é chibata, cacete e camburão”.



2 comentários:

Brontops disse...


(off-topic: Adorei esta capa)

Sobre o assunto, você já ouviu falar do livro alemão "Axolotl Atropelado", de Helene Hegemann?

http://www.brasilalemanhanews.com.br/Noticia.aspx?id=315

http://devoradoradelivroscom.blogspot.com.br/2011/07/axolote-atropelado-de-helene-hegemann.html

O livro que que chega amanhã às livrarias de todo o Brasil temsido sido o epicentro de uma espinhosa discussão literária na Alemanha causando grande polêmica. A escritora alemã, que utiliza trechos de outras obras para escrever é acusada de plágio. Não se pode negar que Axolote Atropelado é obra feroz e impetuosa, sobre a passagem para a idade adulta. Desde a publicação, as críticas declararam-na genial.

Lançado em janeiro do ano passado na Europa, “Axolotle atropelado” retrata os altos e baixos da vida de uma jovem alemã que perdeu a mãe e que circula livremente (e exclusivamente) pelo mundo das drogas e das discotecas de Berlim. A narrativa de suas experiências, com uma linguagem sem pudores que detalha o efeito dos entorpecentes no corpo humano, fez com que o livro não demorasse para atingir o quinto lugar na lista dos mais vendidos segundo a revista alemã “Der Spiegel”.

Em poucas semanas, foram três edições e cem mil exemplares, além de muitos elogios à adolescente Helene Hegemann, que estreava na literatura aos 17 anos.

A narrativa tem início quando aos dezesseis anos, Mifti assume sua condição de 'garota-problema' participante da cena underground de Berlim, onde mora desde a morte da mãe. Em sua busca por uma parceria e por uma compreensão incondicional, ela encontra um mascote exótico e surpreendente - o axolotle - uma espécie de salamandra mexicana que, por um defeito genético, permanece em estado larvário, sem se desenvolver.

O desfecho da estreia da jovem autora teria sido venturoso não fosse pela curiosidade e perspicácia de um blogueiro alemão Deef Pirmasens. Um mês após o lançamento de “Axolotle”, ele descobriu (e publicou na internet) que Helene havia copiado em sua obra trechos inteiros de um livro intitulado “Strobo”.

No total, Helene utilizou de forma literal ou com sutis modificações 19 passagens de “Strobo”. Quase uma a cada dez páginas. E Pirmasens reuniu muitas delas em seu site, transformando em inferno todo o júbilo da jovem Helene. A filha do dramaturgo e professor de teatro Carl Hegemann, ela respondeu à revelação com ferocidade. Não negou a cópia, mas disse que seu trabalho consiste em fazer “sampling” ou “intertextualidade”.

Para se defender, Helene emitiu uma nota a imprensa dizendo:“Não existe originalidade, apenas autenticidade”, disse. “Não sinto que estou roubando nada, porque ponho todo o material num contexto único e completamente diferente”.

Dias mais tarde, e cientes das acusações de Helene, os jurados da Leipzig Book Fair, um dos eventos literários etradicionais da Alemanha, decidiram mantê-la entre as finalistas do prêmio de US$ 20 mil que seria dado à categoria ficção. A polêmica aumentou e as vendas dispararam.

Ao fim da edição que chega ao Brasil amanhã, há seis páginas que listam as fontes onde a jovem escritora bebeu para construir seu best-seller. É esperar, que já já o livro chega às telonas. Quer apostar?

com O Globo

Daniel Andrade disse...

apesar de ser quase impossível ser original nos dias atuais concordo que o tal do plagiador merece mesmo "[...] chibata, cacete e camburão”.