domingo, 20 de janeiro de 2013

3088) Qualidade artística (20.1.2013)






("Resta uma questãozinha fútil", Edward Gorey)


O que mede a qualidade de um livro? Como autor, tenho o hábito maquinal de ver as coisas do ponto de vista do autor. Para a maioria de nós, a perspectiva de ter um livro lido e gostado por multidões de pessoas é uma sugestão sem nenhum defeito. Eu sou um destes, de modo que preciso de vez em quando lembrar que antes de ser autor, e depois de deixar de sê-lo, eu fui, e espero ainda ser, um leitor. Ser autor tem suas vantagens óbvias, mas ser leitor tem inclusive certas liberdades que o autor nem sempre pode ter. Um grande autor, em muitos casos, é um prisioneiro do universo que criou: Tolkien, Lovecraft, todos os outros. Já um leitor pode viver em tantos universos quantos encontre.

Como podemos quantificar o quanto o público gosta, por exemplo, de “O Morro dos Ventos Uivantes”? É um melodrama vitoriano com meia dúzia de relâmpagos góticos, e não mais que isto, mas as pessoas teimosamente mantêm esse livro em catálogo. Recentemente, Jane Austen, autora que nunca foi muito editada no Brasil, teve uma verdadeira explosão, devida em grande parte ao cinema. Pois Emily Bronte era tão famosa quanto Jane Austen hoje.

Quantificar através das edições, da venda da exemplares? É o mais cru e menos artístico dos critérios. Através de prêmios, de honrarias? Através da presença da obra (livro, filme, ópera, quadro, etc.) nas listas dos melhores, consistentemente, ao longo das décadas? Quantificar importância em função da fortuna crítica, das quantidade de obras escritas a respeito? Um olhar imparcial perceberia a persistência daquela canção ou daquele conto, dentro da memória coletiva de milhões de pessoas, ao longo de centenas de anos. Que melhor cacife literário do que ter escrito os “Sete anos de pastor Jacó servia”, a Divina Comédia, “A Pata do Macaco”?

O foco não é numérico, é descritivo. Avaliar qualidade é tentar descrever o impacto daquela obra dentro da cultura. Se foi respeitada, se foi imitada, se foi parodiada, se foi polemizada... “Se foi premiada” ou se “ficou entre as dez melhores” é interessante, mas o foco não é nisso. O foco é no impacto total na sociedade, não apenas sobre a crítica. Muitas vezes o crítico é apanhado de surpresa por uma onda artística, e isso é normal, se a onda tem mérito sabe ser convincente, sabe suportar a rejeição inicial e ir se impondo aos poucos.

O mercado de arte e o conceito de qualidade artística se parecem com um mercado de ações. Vale zero hoje, pode valer milhões amanhã, se as apostas certas forem feitas no momento certo; e vice-versa. A arte é aquele objeto, e é a fantasia fabulatória que ele extrai de nós que o explicamos. Sem nós ele não existiria.



2 comentários:

Anônimo disse...

Eu fico pensando quantas obras super interessantes existem, e sequer boa maioria das pessoas sabem. Um grande exemplo disso é o Philip k Dick, que, graças os filmes, histórias em quadrinhos, games, e muito mais, agora, uma boa parti conhece quem é o cara. Eu até sou um pouco otimista em querer acreditar que, nesse mundo de publicações de livros cada vez mais aumentando, antologias que pipocam, quem sabe, no meio disso tudo, apareça algo que seja muito bom. Não só um livro bom ,mas vários. Que pena que, no meio de tantos e assim tantos ficam no meio do caminho.

Daniel Andrade disse...

Discussão muito em voga trouxesse a tona agora: “Vale zero hoje, pode valer milhões amanhã [...]” tenho oficialmente 2 livros no mercado, edições de autor – nada muito difícil de esgotar e verdadeiramente muito difícil de serem reeditados outra vez na história (pelo menos da minha curta existência como aluno terrestre). Ser o best do momento ou o besta do momento é uma questão quase quântica, no entanto acredito que a alma do negócio é escrever – pois se não vivemos em uma democracia de fato, o leitor vive. Digo mais, todos aqueles interessados seja lá em que forma de arte seja vivem numa democracia. Voltando ao assunto do zero... Recentemente meu amigo de jornadas poéticas Fred Caju enveredou numa de montar uma pequena casa editorial, a priori apenas funcionando num sítio virtual, e logo apareceram várias pequenas-grandes figuras disponibilizando suas obras e/ou escrevendo novas obras pelo selo Castanha Mecânica – que parece que ganhará força em 2013 quando começara a não só oferecer serviços editoriais gratuitos como também pagos. Falei isso tudo por quê? Do zero para o topo as vezes é uma questão de marketing, mas acho que acima dos gostos existe o talentoso – e as grandes casas editoriais não estão muito afim de apostar nos peixes novos dos mercado – sem desmerecer os nossos consagrados autores que afinam contribuíram para nos tornarmos leitores, e por que não grandes leitores, todavia é necessário que o novo o apareça, e não em forma de simulacro – queremos mesmo imagens novas – e talentos, pelo menos no Brasil, sei que existem muitos por aí – o que é preciso é dar uma chance a essa turma.

Deixo aqui o link do sítio eletrônico do Castanha (http://castanhamecanica.wordpress.com/)– que em breve abandonará o microsite e contará com um site, e também uma dica de leitura de textos que acho que tem tudo haver com o que você tratou no artigo a cima, chama 12 ROTAÇÕES (http://castanhamecanica.wordpress.com/2012/11/27/caju-fred-12-rotacoes-2012/).