quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

3060) Ser agnóstico (19.12.2012)






Um ateu tem certeza de que Deus não existe; um agnóstico acha que não há como saber, neste momento, se isso é verdade ou não. (Segundo Ariano Suassuna há uma terceira categoria, o herege, que diz: “Eu acredito em Deus, sim, mas antipatizo com ele”). O agnóstico em geral não antipatiza com a religião. Ele talvez tenha tido uma formação científica e tem o hábito de proceder por análises, argumentos e exames de provas. Se alguém quiser usar esse método para descobrir se Deus existe ou não, vai ter uma certa dificuldade. É possível provar verbalmente a existência de Deus, com argumentos teológicos; mas os mesmos argumentos serviriam para provar a existência de numerosas outras coisas. Se as premissas forem bem escolhidas, e forem aceitas pelo interlocutor, pode-se provar seja lá o que for.

Algumas pessoas religiosas dizem que a fé é espontânea, nasce de uma iluminação íntima, e não de uma discussão filosófica. Neste caso (dizem os agnósticos), estou aqui até hoje, esperando essa iluminação que no meu caso não aconteceu. Como dizia Darcy Ribeiro, “Deus me conhece, sabe onde eu moro, e se quisesse que eu acreditasse nele já tinha providenciado”.

Um agnóstico respeita as religiões pelo mesmo motivo por que respeita as literaturas. São construções do espírito humano, onde projetamos nossas visões do mundo, nossos comentários sobre a condição humana, sobre os nossos medos, nossas aspirações, nossas visões a respeito de tudo que transcende nossa vida: o infinito, a eternidade, etc. As religiões são ficções organizadas que tentam dar um sentido a tudo que vemos e descobrimos sobre o mundo. O Islã, o Cristianismo e o Judaísmo são o produto de três culturas diferentes. A visão que elas nos dão sobre Deus está inextricavelmente tecida com seus relatos históricos, os preceitos sociais e morais de cada uma, os seus mitos e seus ritos. O agnóstico não vê neles revelações divinas; vê documentos humanos, da maior importância, mesmo que não sejam factualmente verdadeiros – tal como ocorre com o teatro universal, o romance, a poesia épica. Pouco importa se Ulisses existiu ou não, isto não diminui o valor da Odisséia. O mesmo se dá com os livros sagrados.

O agnóstico geralmente é um individualista, um isolado, pelo menos em termos dessa crença. Ele gosta de pensar por si mesmo; daí que agnóstico seja quase sinônimo daquele termo do século passado, que quase não se usa mais: “livre pensador”. Um agnóstico não está obedecendo um manual, nem uma escritura sagrada, nem uma profecia. Há um bilhão de maneiras de ser agnóstico; basta (como dizia Dick Peter) que “veja as coisas com os seus próprios olhos”.