sábado, 8 de dezembro de 2012

3051) Piadas modernistas (8.12.2012)




(Manuel Bandeira)


Uma das coisas com que o Modernismo mais incomodou a cena literária de sua época foi o seu recurso à brincadeira, à galhofa, à paródia e à sátira.  

Poetas de todos os tempos fizeram isso, mas traçavam um limite entre isso e a arte poética. Olavo Bilac e Guimarães Passos produziram centenas de versinhos satíricos, jocosos, maliciosos; mas não permitiram que eles fossem incluídos em seus livros “sérios”. 

A poesia era uma espécie de templo onde só se entrava vestido a rigor. A poesia moleca, pornográfica, maledicente, descalça, suja, essa tinha que dormir na calçada. Não tinha direito ao teto de um livro.

Manuel Bandeira conta em suas memórias como ele e os amigos se valiam de suas colunas em jornal para incomodar os poetas (e os críticos) partidários da pomposidade, da gravidade, da oratória vazia que na época era considerada o espírito poético mais autêntico. 

O jornal A Noite lhe pagava 50 mil réis por semana para colaborar na seção “O Mês Modernista”, onde Bandeira propunha, entre outras coisas, a tradução de poemas brasileiros em linguagem moderna.

Ele dá como exemplo estes versos de Joaquim Manuel de Macedo: 

Mulher, irmã, escuta-me: não ames. 
Quando a teus pés um homem terno e curvo 
jurar amor, chorar pranto de sangue, 
não creias, não, mulher, ele te engana! 
As lágrimas são galas da mentira 
e o juramento manto da perfídia.

Bandeira propôs esta “tradução em caçanje”: 

Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você 
e te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
se ele chorar 
se ele se ajoelhar 
se ele se rasgar todo 
não acredita não Teresa 
é lágrima de cinema 
é tapeação 
mentira 
CAI FORA.

Está tudo aí: o processo de desinflação, de esvaziamento da linguagem inchada e grandiloquente. Bandeira comenta, anos depois: 

“Piadas... (...) Por essas e outras brincadeiras estamos agora pagando caro, porque o ‘espírito de piada’, o ‘poema-piada’ são tidos hoje por característica precípua do modernismo”. 

Bandeira, Drummond, Mário de Andrade fizeram poemas assim (Oswald não conta, porque quase que só sabia escrever assim), trazendo para o espaço sagrado do Livro de Poemas a fala bárbara da rua, o caçanje, a gíria, o brasilês. 

E trazendo junto o estado de espírito correspondente, o tratar das mulheres de igual para igual, sem o endeusamento melodramático que os parnasianos achavam imprescindível. 

Hoje, quase cem anos depois, essa discussão continua existindo. Não vai deixar de existir tão cedo. É o cabo-de-guerra entre linguagem elaborada versus linguagem espontânea. Ao longo das décadas, mudam de teoria, de sotaque e de dicção, mas a tensão entre as duas é eterna.