terça-feira, 18 de setembro de 2012

2979) O mundo islâmico (18.9.2012)




Fico com a pulga atrás da orelha quando leio na imprensa generalizações do tipo “os argentinos são egocêntricos”, “os baianos são preguiçosos”, “os políticos são desonestos”, “os sertanejos são simplórios”, “os cientistas são insensíveis”… Pobre imprensa: tão sufocada pelos prazos curtos, tão obrigada a traficar clichês. Todo clichê parece fazer sentido, porque (é triste, mas é verdade) o alcance mental de muita gente só vai até aí. Para quem raciocina desse jeito, todas as categorias acima são homogêneas, compartilham as mesmas características. Meus camaradas, nenhuma categoria no mundo é homogênea. Talvez os átomos de um elemento químico sejam todos iguais, mas mesmo nesse caso eu não boto a mão no fogo.

O websaite da emissora árabe Al-Jazeera publicou um artigo da antropóloga Sarah Kendzior (http://aje.me/UaDEcd) criticando o uso indiscriminado da expressão “o mundo islâmico”, um conceito que envolve numerosos países e centenas de milhões de pessoas.  Algo de uma complexidade que dá tontura só de pensar, e ainda assim lemos todo dia expressões como “as mulheres não têm liberdade no mundo islâmico…”.  Dizer isso é deixar de lado incontáveis diferenças políticas, econômicas e históricas entre todos esses países que cultivam a mesma religião.  

Diz ela: “Após a destruição da embaixada dos EUA em Benghazi e as mortes de quatro norte-americanos, aconteceu um protesto contra as pessoas que os mataram. Cidadãos líbios ergueram cartazes em inglês dizendo ‘Benghazi é contra o terrorismo’, e “Desculpem, americanos, estas não são ações do nosso Islã e do Profeta’. (…) Mas explicações assim não deviam ser necessárias. Não se deveria imaginar que pessoas comuns compartilham as idéias de criminosos violentos que pertencem à mesma fé”.

Nenhum de nós ficaria satisfeito com um julgamento moral ou psicológico sobre “o mundo cristão” que botasse no mesmo saco os países onde o cristianismo é predominante e aplicasse um julgamento a todos. Segundo Kendzior, buscando no Google a expressão “the Christian world” dá 5,8 milhões de resultados, enquanto a frase “the Muslim world” dá mais de 87 milhões. Não é preciso dizer que quem usa esta última são justamente as pessoas do Ocidente, e que grande parte delas pensa que os muçulmanos são iguaizinhos uns aos outros, como se tivessem saído de uma linha de montagem. Preconceito pessoal é uma coisa perigosa. Mais perigoso ainda é o preconceito cultural, a incapacidade, no interior de uma cultura, de alguém entender uma cultura diferente da sua. Pior: de enxergar a outra cultura, de perceber que ela é tão variada, dinâmica e contraditória quanto a sua.