quarta-feira, 15 de agosto de 2012

2950) O mundo às avessas (15.8.2012)




O quadro O Encontro dos Sábios (The Rendez-vous of the Scholars) de Davis Hart, o misterioso pintor britânico falecido precocemente aos 38 anos, está exposto desde 1921 no palácio de Hartford, no Surrey, o próprio local onde foi pintado a pedido do Duque de Hartford, amigo pessoal do artista. 

O quadro ocupa a parede dos fundos de um salão retangular que mede 20 metros de comprimento por 6 de largura; o quadro em si mede 4,80 de largura por 2 de altura. 

O visitante cruza uma porta na extremidade oposta e caminha para o quadro, passando por paredes onde se veem apenas discretas tapeçarias e um ou outro espelho. 

Visto à distância, o quadro mostra um salão semelhante àquele, mas cheio de mesas, estantes, escrivaninhas, onde nove homens, divididos em grupos de três, conversam. Vestem-se à maneira do final do séc. 19.  Ao chegar à metade do salão, o espectador começa a perceber detalhes. 

A cena do quadro é um fim da tarde, ao crepúsculo. No céu, através da janela,vê-se uma lua em quarto minguante, mas a banda iluminada da lua aparece voltada para o lado oposto àquele em que o sol está se pondo.  

Um dos sábios está parado junto a uma retorta, mas de perto vê-se que um dos seus pés está totalmente virado para trás.  Outras minúcias tornam-se visíveis quanto mais perto estiver o espectador. Os pés de uma escrivaninha não tocam o chão. Um compasso aberto sobre a mesa tem como uma de suas pernas uma pequena luneta.  

Há contradições de vestuário que os especialistas apontam de imediato; um jarro reúne flores que só brotam em épocas distintas do ano; os reflexos nas superfícies polidas do cenário não correspondem às pessoas em volta. O que a dez metros parece uma esfera armilar torna-se um astrolábio a cinco. O que a cinco metros parece uma lareira torna-se a três metros uma tapeçaria representando um arco do triunfo. Rostos sérios viram máscaras de arlequim quando se dá um passo à frente (e desviram, com um passo atrás).  

Quando se atinge a distância crucial de um metro da tela, há um limiar óptico que faz tudo aquilo entrar em torvelinho, mover-se a cada movimento das pupilas; como num quadro de Arcimboldo, fervilham na composição das formas maiores uma multitude de formas menores e insuspeitas. 

O tecido de uma capa é um jardim, a pele de um rosto é uma página manuscrita, o mostrador do relógio é uma constelação, uma taça de vinho é um corcel rampante, um chapéu coco é um observatório astronômico, e na caligrafia florida em que há pouco líamos no canto inferior o nome de David Hart surge a misteriosa assinatura, “Tiago Henrique, Campina Grande, 2012”.