sábado, 4 de agosto de 2012

2941) Nem todo elogio (4.8.2012)






Há quem venda a alma e alugue o corpo por um elogio, mas um elogio pode nos trazer mais desgostos do que satisfação. Nem vou falar no elogio que ilude ainda mais um iludido: “Fulaninha, seu disco é ótimo, acho que tem tudo a ver você copiar a voz, o cabelo e os arranjos de Amy Winehouse!”  Fulaninha embarca na conversa e dá com os burros nágua. Não, estou me referindo a outras ramificações dessa arte tão escorregadia, a arte de falar bem, tão complexa quanto a de falar mal.

Existe o elogio equivocado, aquele que em que o crítico ou o amigo não entendeu absolutamente o que você fez, e o elogiou por imaginar algo diferente.  Ocorre muito quando a gente usa a ironia.  Um texto é lido por pessoas de diferentes visões estéticas, políticas, etc. Às vezes a gente publica uma coisa sarcástica, e surge alguém que leva o texto ao pé da letra e acha aquilo maravilhoso.

Um tipo que me incomoda é o elogio que aproveita para falar mal de terceiros, ainda mais se são meus amigos. “O livro de BT é infinitamente melhor do que as medíocres tentativas de A, B ou C...”  É o que basta para o alfabeto inteiro ficar com raiva do meu livro. E muitas críticos só sabem criticar assim, por exclusão – algo só é bom ao ser comparado a outra coisa que o crítico acha ruim (e que ele às vezes não percebe ser bem melhor que a obra que elogiou).

Nem deveria falar do elogio sem substância, o elogio que nada diz a não enfileirar adjetivos, mas esta é uma praga que parece residir no tipo de tinta usado na imprensa, então cumpre combatê-la.  Publico um conto, o crítico X diz apenas que é “instigante, envolvente”. Já o crítico Y diz que é “uma mistura, que não deu certo, da temática de Henry James com a prosa de Machado de Assis”. Este último, mesmo não gostando, talvez tenha me mostrado algo que eu não tinha percebido.

Existe um certo tipo de elogio interesseiro que todos nós praticamos, conscientemente ou não.  Consiste em louvar a brasa alheia trazendo-a para perto da nossa sardinha.  Faço um mea-culpa, por exemplo, no que diz respeito à literatura fantástica e à FC. Muitas vezes nós, militantes destas duas excentricidades, acabamos elogiando uma obra que nem é tão boa assim, mas que nos parece boa porque vemos nela o mesmo tipo de “persuasão” que cultivamos. O elogio é interesseiro porque não nos interessa tanto o valor daquela ovelha desgarrada, o que queremos na verdade é engrossar nosso rebanho.

O bom elogio é o que não usa adjetivo algum (desconfie de termos como “magistral”, “genial”, etc.). O bom elogio limita-se a descrever com clareza as qualidades da obra.  Se são de fato qualidades, o bom leitor saberá reconhecê-las.