terça-feira, 31 de julho de 2012

2937) "O Bandido da Luz Vermelha" (31.7.2012)






Para mim é um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos, impressão que se manteve quando o revi agora, depois de mais de 20 anos.  Os puristas ficarão zangados, mas os puristas são como os turistas, não gostam de ver o lado sujo das coisas. Mario Quintana disse que um crítico é um sujeito que ao ver uma bela tapeçaria dá a volta para ver como ela é pelo avesso; alguns artistas são assim também. 

Rogério Sganzerla tinha 22 anos quando fez este filme em 1968, com uma equipe minúscula e pouco dinheiro, filmando em preto-e-branco no meio da Boca do Lixo de São Paulo. Era um contestador do Cinema Novo que, segundo ele, tinha se “aburguesado”, deixara de ser um cinema de esquerda, revolucionário, e estava seduzido pelos elogios da crítica européia e pelos prêmios nos Festivais. Sganzerla seguiu a receita criada (ou aperfeiçoada) por Glauber Rocha, “uma câmara na mão e uma idéia na cabeça”, e nota-se em seu filme muitas pequenas influências (inevitáveis, aliás) dos dois grandes filmes de Glauber até então, Deus e o Diabo... e Terra em Transe.  Alguns detalhes, no entanto, são essenciais.  Sganzerla não toma uma atitude de esquerda; sua crítica à sociedade é o que hoje chamaríamos de “atitude punk”, o chute-no-pau-da-barraca, o niilismo.  A frase-lema do filme é: “Quando a gente não pode fazer nada a gente avacalha; avacalha e se esculhamba”.  Tanto o governo militar quanto o Partido Comunista discordavam, com veemência.

Cheio de escracho e de improvisações, O Bandido... tem cenas que, se descritas ao pé da letra em twitters, poderiam compor um poema meio surrealista.  Seu ponto forte é a semi-incoerência narrativa (cada cena, no estilo Godard, tem pouco a ver com a anterior), espertamente costurada por um casal de locutores tipo “A Polícia nas Ruas”. É o modelo Cidadão Kane: a reportagem jornalística “fake” fornece um fio de continuidade para cenas que se unem por justaposição, são por consequência.

Num manifesto que lançou na época, o autor disse: “Fiz um filme voluntariamente panfletário, poético, sensacionalista, selvagem, malcomportado, cinematográfico, sanguinário, pretensioso e revolucionário. Os personagens desse filme mágico e cafajeste são sublimes e boçais. Acima de tudo, a estupidez e a boçalidade são dados políticos, revelando as leis secretas da alma e do corpo explorado, desesperado, servil, colonial e subdesenvolvido”.  É um filme anarco-punk, que ridiculariza tudo mas não celebra seus heróis, antes os encaminha para o matadouro com uma mistura de diversão sádica, irresponsabilidade adolescente, e aquele deboche de quem sobe ao cadafalso esculhambando o carrasco.