domingo, 8 de julho de 2012

2917) O poeta Ronaldo (8.7.2012)








Ronaldo Cunha Lima foi de uma geração de poetas boêmios, uns com um pé na advocacia, outros com um pé no jornalismo, todos com um olho na política.  Uma geração que incluiu Palmeira Guimarães, Raimundo Asfora, Orlando Tejo...  Eu os conheci primeiro pelas histórias contadas por meu pai, poeta boêmio de uma geração mais velha, que via essa rapaziada com admiração e bom humor.  O poeta boêmio é aquele que não escreve pensando na Literatura Brasileira, escreve para si mesmo e para as pessoas que o cercam.  A poesia é reflexo da vida, parte da vida, não tem sentido se lida em separado. 

Esses poetas faziam sonetos impecáveis em cinco minutos, pegando como deixa uma frase que alguém soltou na mesa do restaurante. Neste sentido, se assemelham ao cantador repentista.  Essa geração que nomeei acima conviveu muito com os repentistas, porque a escada que dava acesso à Rádio Borborema ficava entre o Café São Braz e a Sorveteria Flórida, numa cidade que não existe mais, ou que a cada dia existe menos.

Depois de adulto, eu próprio passei a conviver com Ronaldo, que, longe da política (era um ex-prefeito cassado) vivia no Rio de Janeiro, advogando, e doido por um pretexto para vir passar uns dias em Campina Grande.  Esse pretexto, da minha parte, foi o Congresso de Violeiros, em cuja organização eu trabalhava, e onde Ronaldo várias vezes fez parte do júri ou da comissão de seleção de assuntos, a convite nosso.  Fornecia motes românticos, apaixonados, falando de amor e saudade, e que quando caíam no sorteio para uma dupla bem inspirada induziam glosas de grande popularidade junto à platéia feminina.

A política chamou o boêmio de volta. A política é um destino grego ao qual não se desobedece. O que mais marcou as campanhas de Ronaldo, e que vive até hoje na memória dos que as assistiram, foram seus discursos em redondilha, naqueles versos simples de rimas exatas que o povo reconhece tão prontamente, porque faz parte de nossa memória cultural. Improvisador fluente, familiarizado com os truques dos repentistas, Ronaldo era capaz de versificar a propósito de tudo que estivesse ao alcance do olho: o garçon que demorava, a gravata torta de Fulano, o uísque com gelo demais, a TV ligada, o casal na mesa vizinha.

Augusto dos Anjos foi o poeta que marcou sua carreira.  Bastava abrir o livro ao acaso e ler uma linha qualquer: Ronaldo dizia de imediato as linhas seguintes.  Isto lhe valeu a fama num programa de TV e provavelmente o fez ganhar um sem-número de apostas.  A aposta maior, claro, era fazer da poesia o bálsamo em cada purgatório, o salva-vidas em todo naufrágio, o brinde em cada triunfo, e o espelho na manhã seguinte.