quinta-feira, 17 de maio de 2012

2872) “Dona Guidinha do Poço” (17.5.2012)



Este romance de Oliveira Paiva (1861-1892) cumpriu uma trajetória curiosa.  Escrito em 1892, foi publicado parcialmente na Revista Brasileira de José Veríssimo, mas a revista fechou, os originais se perderam, e somente em 1952 Lúcia Miguel Pereira conseguiu publicar o texto completo, com um prefácio elogioso.  

É um obra naquela encruzilhada entre o Romantismo, o Naturalismo e o Realismo do romance brasileiro. No seu texto se alternam discursos e idéias que os historiadores classificam como típicas destes três períodos, mas escritores, em geral, não estão muito interessados em pertencer a período nenhum.  Escrevem na medida do seu gosto, que é heterogêneo. 

Querem reproduzir efeitos que os emocionaram como leitores em diferentes momentos da vida, e com isso ficam fazendo esse ping-pong, que nada tem de ideológico ou programático. É a mera oscilação estética de um instinto verbal ainda crivado de influências contraditórias.

Um dos grandes momentos do livro de Paiva é o capítulo 3 do Livro II, onde acontece uma festa na fazenda do Major Damião, pretexto para um tipo de festa que por diversas vezes no livro é chamado de “um samba”, ou “um pagode”, ou seja, uma festa onde se recitam “décimas e brejeirices”, se canta e se dança “ao som de rabeca e viola”. 

Paiva, apesar de jovem, é um autor meticuloso em seu retrato do interior cearense. O romance é baseado nos autos (que ele pesquisou em Quixeramobim) de um crime real ocorrido em 1853: um fazendeiro foi assassinado a mando de sua esposa, que estava tendo um caso com um amigo da família.

O livro pode ser considerado, com as ressalvas habituais numa obra literária, um retrato aproximado dos costumes da época.  E retrata um momento histórico em que a Cantoria de Viola era ainda agregada aos batuques e “pagodes” dessas ocasiões. Dançava-se, cantava-se coletivamente, e os violeiros tiravam seus versos a desafio no meio dessa balbúrdia. 

Há os “tocadores” e “os cantadores”. Ao pinicar das violas, forma-se um círculo, os homens entram dançando, “castanholando os dedos”, e “atiram” (fazem o convite) numa mulher, que por sua vez entra na roda e dança. Os cantadores entram no desafio por entre o canto geral, fazendo um personagem reclamar: “Nesse fordunço a cantoria se perde quase toda!”. 

Os repentistas trocam sextilhas perfeitas, quadras e décimas; alguém volta a reclamar: “Mas é uma zoada de seiscentos, muita coisa se perde!”.  

Foi nesse tempo (teoria minha) que a Cantoria se desligou dos batuques, sambas e pagodes. Tornou-se espetáculo autônomo para quem não queria “perder os versos”. Dois poetas no pé de uma parede, as violas, o verso, e nada mais.