sábado, 28 de abril de 2012

2856) Cut-up fase 1 (28.4.2012)



(Letreiro do filme Nosferatu, de Murnau. O texto é em duas colunas, separado ao meio por uma linha vertical, mas lido como se fosse texto corrido produz um efeito semelhante ao do cut-up.)


O cut-up (tradução possível: “corta-corta”) é um método de produção aleatória de textos literários que foi popularizado por William Burroughs em livros como Almoço Nu (1959), Nova Express (1964) e outros. Consiste em cortar em pedaços uma folha de papel cheia de texto e misturar esses pedaços, fazendo com que as frases se encaixem de maneira diferente umas às outras.  Alguns autores fazem um corte em cruz, dividindo a folha em quatro retângulos (como quatro cartas de baralho bem juntas, duas a duas, formando um retângulo vertical), que são misturados. Este texto, por exemplo, que você, leitor, está lendo agora na página do Jornal da Paraíba ou no meu blog Mundo Fantasmo é um texto submetido a esse processo. [Veja amanhã o resultado.] Um leitor mais impaciente irá dizer: “Ora diabos, mas para que tanta complicação?  O que custava mostrar o texto do jeito que foi escrito?”. Há muitas respostas para essa pergunta tão legítima.  Uma delas é que a esmagadora maioria dos textos publicados no mundo aparece justamente da maneira convencional, e me atrevo a dizer que para cada página de cut-up publicada no mundo aparecem 10 milhões de páginas comuns. Por que, então, não dar uma chancezinha aos experimentos, de vez em quando?  William Burroughs afirmava que essa quebra de continuidade forçava os leitores a uma leitura mais atenta, mais desperta, mais inquisitiva, diferente a leitura meio sonâmbula que praticamos diante de um texto convencional.  Interferências para desorientar (e re-orientar) o leitor são mais comuns do que se pensa. Glauber Rocha, em seus últimos anos, abusava de usar letras como K, Y, etc., escrevendo “Brazyl”, etc.  Hoje em dia, a cultura do hip-hop e outras manifestações pop usa números que soam igual a certas palavras (“How R U = how are you”), ou emprega letras maiúsculas no interior das palavras (“tHe sATellITe”), o que obriga o leitor a diminuir o ritmo da leitura e ir decodificando palavra por palavra. A sensação de estranheza gerada por esse processo pode (segundo alguns) despertar a desconfiança e o senso crítico do leitor, colocando-o numa atitude menos passiva e mais questionadora. Na maioria dos casos, um texto feito em corta-corta, como este artigo, parece um quebra-cabeças mal montado, incomodando o juízo. Mas não é o caso de lamentar – a não ser que alguma Ditadura Vanguardista invente de proclamar o corta-corta como modo preferencial de apresentação gráfica de todos os textos do país – o que espero que nunca aconteça, mesmo conhecendo muito bem o pendor ditatorial de muitos movimentos de vanguarda, que, se pudessem, obrigariam um país inteiro a escrever somente do jeito que eles descobriram ou inventaram.