quinta-feira, 12 de abril de 2012

2842) 500 contos de fadas (12.4.2012)



A literatura oral é um sambaqui de narrativas despedaçadas e sepultadas juntas. A maior parte da literatura oral que conhecemos hoje em dia é, ironicamente, literatura-oral-por-escrito: as coletâneas dos Irmãos Grimm, de Sílvio Romero, de Câmara Cascudo, etc. Ninguém mais conta histórias em casa. Quem conta é a televisão, cujo encanto não discuto; e já existe a profissão de contador de histórias com cobrança de ingresso. É uma oralidade diferente daquela dos tempos dos Irmãos Grimm.

Por falar neles, foi descoberto na Alemanha o arquivo de um historiador amigo deles, Franz Xaver vom Schönwerth (1810-1886), que dedicou-se, naquela mesma época, a escutar e copiar histórias narradas à viva voz por camponeses, trabalhadores, pessoas idosas. Seus trabalhos foram publicados em três livros saídos em 1857, 1858 e 1859, mas não obtiveram a mesma repercussão dos livros dos Grimm, e logo foram esquecidos. Agora, uma pesquisadora, Erika Eichenseer, deu uma geral nos arquivos dele e encontrou cerca de 500 contos orais por ele transcritos, muitos dos quais jamais registrados em outras coletâneas.

Muita gente se pergunta: quem cria os contos de fadas? É o mesmo que perguntar: quem inventa as anedotas? Dificilmente vemos uma anedota ser atribuída a alguém – não me refiro a episódios pitorescos da vida real, mas às piadas de português, de bêbado, de papagaio, etc.; o feijão com arroz da mesa de botequim. Quem inventa essas piadas, e quem inventa contos populares como Chapeuzinho Vermelho ou Rapunzel? Já vi artigos bastante sérios discutindo se esses contos orais tinham “origem erudita” (eram inventados por escritores cultos e depois propagados pelo povão) ou “origem popular” (eram inventados pelo povão e depois propagados pelos escritores cultos). É uma dicotomia típica de quem divide a humanidade em eruditos e populares. Eu divido a humanidade em pessoas com talento fabulatório (capazes de criar histórias) e pessoas sem talento para inventá-las, mas que gostam de ouvi-las e repeti-las. Em qualquer classe social encontramos esses dois tipos.

Saber inventar histórias não é efeito colateral de ser pobre nem de ser rico, é algo que depende de outros fatores. Sugiro a leitura do longo prefácio de Ítalo Calvino para suas Fábulas Italianas, onde ele confessa na maior cara-de-pau que, após registrar algumas variantes de um conto popular, decidiu mudar o final por conta própria porque achava que assim ficava melhor. Atitude não de erudito, mas de fabulador. Quem inventa as histórias? Gente como Ítalo Calvino, amas-de-leite, professoras de italiano, sapateiros... Fabuladores, de todas as classes sociais.