sábado, 17 de março de 2012

2820) Dickens Digital (17.3.2012)



(Charles Dickens no começo da carreira)

Livros de papel ou livros digitais? Até parece o debate na Idade Média sobre a quantidade de anjos que era capaz de dançar na ponta de uma agulha (agora são pixels e bytes). Há partidários eloquentes e extremados de ambos os lados da discussão. Num artigo no Guardian (http://bit.ly/yJfVK9), Henry Porter comenta algumas declarações recentes do romancista Jonathan Franzen, para quem o papel impresso dá uma sensação de continuidade e permanência, enquanto que a tela digital parece conter apenas um texto provisório, que pode vir a ser modificado a qualquer instante. E Porter faz uma comparação com Charles Dickens, cujos 200 anos de nascimento comemoram-se este ano.

Dickens foi, como muito escritores de sua época, um palestrante incansável. Viajava pelo mundo fazendo palestras, para auditórios repletos, porque seus livros eram best-sellers. Foi um desses escritores cujo sucesso popular deixa a crítica de pé atrás, como ocorreu com Balzac, Jorge Amado e tantos outros. Porter comenta: “Nos últimos anos de sua vida, Charles Dickens caiu na estrada para cumprir uma extenuante agenda de leituras públicas, que certamente apressaram sua morte. Na magnífica biografia que fez sobre o escritor, Claire Tomalin descreve como ele se arrastou de auditório em auditório, sozinho exceto pelos personagens que carregava na mente: alquebrado, mal alimentado e mortalmente exausto, mas com uma urgente necessidade de se comunicar com seus leitores. Essas leituras, precursoras das modernas festas literárias, nos lembram que o objetivo primordial de um romancista é entrar em contato com pessoas. (...) Se Dickens fosse vivo hoje, adivinhe quem estaria blogando, tuitando de vez em quando, montando websaites literários, exumando algumas obras antigas e recolocando-as em circulação sob a forma de e-books. Dickens detestava muitos dos seus editores, que ele considerava parasitas preguiçosos e desonestos; e ele ficaria entusiasmado com todas as oportunidades que temos hoje de fazer uma conexão direta entre autor e leitor”.

Escritores são indivíduos, cada um tem seu jeito, sua índole. Não é por terem a mesma profissão que têm a mesma personalidade. Alguns adoram falar em público e dar entrevistas; outros detestam. Alguns querem ter controle total e estrito sobre cada linha que escrevem, e querem controlar cada centavo que entra e que sai; outros querem semear livros à mancheia para atingir o maior número possível de pessoas, e se no meio do processo conseguirem o suficiente para viver com um pouco de conforto, ficarão felizes. Ao que tudo indica, estes últimos sobreviverão melhor, e serão mais felizes, nos tempos que estão chegando.