quinta-feira, 8 de março de 2012

2812) Dickens e os piratas (8.3.2012)




Este ano, comemoram-se os 200 anos de nascimento de Charles Dickens, que talvez tenha sido, no auge da carreira, o escritor mais popular do mundo. Dickens escreveu folhetins que emocionavam milhões de leitores, descrevendo a vida das classes pobres inglesas. Seu estilo era vívido, coloquial, comunicativo, e ao mesmo tempo cheio de riquezas barrocas e de trechos meio delirantes. Sua imensa popularidade tem sido lembrada com relação a assuntos da literatura atual. Uma matéria de Simon Watts no saite da BBC (http://bbc.in/xIsGIL) lembra a primeira turnê de Dickens pelos EUA, em 1842, quando ele passou cerca de seis meses viajando pela América do Norte, fazendo conferências e leituras públicas de suas obras, sendo recebido em banquetes, etc.

Foi uma passagem turbulenta. Apesar dos bailes e das homenagens, Dickens decepcionou-se várias vezes com a grosseria dos norte-americanos, seus hábitos à mesa, seu comportamento em geral, como o hábito de mascar tabaco e cuspir em qualquer lugar. Um dos aspectos mais polêmicos da visita foi a tentativa do escritor de resolver os problemas de pirataria das suas obras. Naquele tempo, não existiam acordos editoriais internacionais, e os livros de Dickens vendiam milhares de exemplares nos EUA em edições piratas. Dickens tentava abordar o assunto em suas palestras, enfatizando a necessidade de uma lei de direitos autorais.

Dickens tentava proceder com tato. Afirmou que uma lei anti-pirataria ajudaria aos autores norte-americanos tanto quanto a ele próprio, e disse que “eu preferiria receber a admiração afetuosa dos meus semelhantes do que amealhar montanhas de ouro”. Dickens percebeu, pelas multidões que acorriam às suas conferências, e pela enorme cobertura dos jornais à sua visita, que se naquele país houvesse pagamento de direitos autorais pelos seus livros ele poderia facilmente duplicar o seu faturamento. Mas a reação era irritada. O “New York Courier and Enquirer”, o jornal mais popular da época, disse: “Estamos mortificados e entristecidos pelo fato dele ter praticado tamanha indelicadeza e impropriedade. Toda a imprensa do país estava pronta para fazer sua louvação, mas ele insistiu junto aos presentes para que não apenas fizessem honra ao seu gênio, mas também para que se preocupassem com sua bolsa”. O clima não foi desanuviado quando se tornaram bem claras, para os entrevistadores, as posições pró-abolicionistas de Dickens, para quem a escravidão negra era desumana e absurda, opinião que ele desenvolveu nos últimos capítulos de “American Notes for General Circulation” (1842), seu livro de comentários sobre a viagem.