quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

2793) Drummond: “Quadrilha” (15.2.2012)



(La Ronde, de Roger Vadim)


Acabou se tornando um dos poemas mais populares de Drummond. Do ponto de vista técnico é quase tão antipoético quanto “No meio do caminho”, o poema-símbolo do modernismo, que foi execrado e endeusado, sempre, além do que era necessário. “Quadrilha” é ainda menos poético, porque do ponto de vista técnico quase não usa a famosa quebra de linha que ficou valendo como sinalização universal de que aquele texto, rimado ou não, metrificado ou não, quer ser lido de outro jeito.

Diz o poema: “João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém. // João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”. Tornou-se popular porque esses minúsculos fragmentos da epopéia amorosa nos são intuitivamente familiares. Sabemos quem são, com outros nomes, essas pessoas que cumprem o destino comentado com certa amargura no mote de cantoria “No amor, tem um que ama / e um que se deixa amar”. Ou cantado com voz dolente e chorosa por Raul Sampaio: “Quem eu quero não me quer, quem me quer mandei embora...”

Se a primeira estrofe é romântica, a segunda é modernista pela irrupção do profano no sagrado, da banalidade da vida real sobre os sentimentos de quem quer que seja. Amar é um estado de espírito, um “verbo intransitivo” como sugeriu Mário; mas não importa quem ama ou quem é amado, a vida chega com seus conventos, seus Estados Unidos e tudo o mais. Boa noite, senhor amor, até a volta, tenho algo mais importante pra fazer.

O poema lembra também a peça de Arthur Schnitzler, Reigen (1897), que ficou conhecida como La Ronde após o filme rodado na França em 1950 por Max Ophuls (houve outra adaptação, por Roger Vadim, em 1964). É a história de encontros sexuais entre casais sucessivos: a prostituta e o soldado, o soldado e a criada, a criada e o jovem cavalheiro, o jovem cavalheiro e a jovem esposa, etc. A mecânica é diferente do poema de Drummond, mas em ambos existe a solerte sabotagem do amor como o casamento de duas almas predestinadas a se encontrarem, uma história escrita nas estrelas. No Modernismo, o amor é uma atividade social, uma forma de conhecer pessoas, uma fonte de curiosidade e de revelações. E uma fonte de banalidade e tédio, como ameaça ser a vida de Lili através de seu casamento com um sujeito indicado pelo nome de “J. Pinto Fernandes”. Este personagem que desce sobre o Romantismo como um golpe de cutelo era “Brederodes” na versão inicial do poema; ficou menos galhofeiro e mais arrepiantemente real.