sábado, 11 de fevereiro de 2012

2790) O charme das ruínas (11.2.2012)




Multiplicam-se na Internet os saites de fotos de lugares abandonados. São hospitais, hotéis, aeroportos, fábricas, colégios... Edifícios enormes e vazios, esquecidos, invadidos pelo mato, perdendo teto e paredes com a ação do vento e da chuva. 

Muitos ainda guardam resíduos da presença humana: roupas nas gavetas, quadros e fotos nas paredes, objetos pessoais ou equipamento técnico deixados em cima da mesa. 

É como se de um instante para outro todas as centenas de pessoas que moravam ou trabalhavam ali tivessem se evaporado, e o edifício, subitamente oco, iniciasse seu processo irreversível de deterioração.

Num texto antigo neste coluna (http://bit.ly/wyYHSF) escrevi sobre os fotógrafos que visitam esses lugares e captam o seu charme decadente. Um lugar em ruínas é um espaço humano esvaziado de seu conteúdo humano (do ponto de vista físico – as pessoas), e que por isso mesmo torna precioso qualquer conteúdo humano (=cultural) remanescente. 

Uma boneca de criança no chão de um hotel cheio de gente é apenas um boneco perdido que precisa ser devolvido à dona; a mesma boneca no corredor de um hotel desabitado e invadido pelo mato ganha um ar de tragédia irremediável.

Caetano Veloso observou, numa canção, que “no Brasil tudo ainda é construção e já é ruína”. Vemos num Ciep inacabado, tomado pelas ervas daninhas, um pedaço do futuro (o Ciep que iria ser concluído e estaria cheio de crianças) e do passado (em algum momento do passado o Ciep “morreu” e quedou-se entregue a si mesmo). 

Usa-se bastante hoje (inclusive na ficção científica) o termo “heterotopia”, ao que parece proposto por Michel Foucault, para designar espaços/lugares contraditórios, onde vigoram leis diferentes das que vigoram no espaço urbano comum. Um hospital é uma heterotopia; um hospital abandonado e em ruínas o é duplamente. A presença humana é ressaltada pela ausência de humanos, deixando apenas pistas espalhadas.

Como o Hotel Overlook de O Iluminado (Stephen King, Stanley Kubrick) cada uma dessas fábricas, desses aeroportos, quartéis, essas construções parecem saturadas de presenças invisíveis. E pela ameaça da intrusão do fantástico no cotidiano. Assemelham-se aos navios como o “Mary Celeste”, que são encontrados à deriva, com tudo intacto, mas sem o menor sinal dos passageiros e tripulantes. 

Cada um desses prédios nos dá o vislumbre do que será um dia nosso planeta, quando a primeira nave alienígena pousar aqui. Observarão nossas enormes construções vazias e perguntarão: “O que aconteceu com eles? Por que se extinguiram tão depressa, justo quando tinham nas mãos uma tecnologia capaz de resolver todos os seus problemas?”.