quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

2782) Mudando de gênero (2.2.2012)





A cultura do remanejamento, da intervenção e da releitura tem produzido algumas obras memoráveis, como aquelas misturas entre os romances de Jane Austen e as histórias de zumbis. Não é tão novo assim, e mesmo aqui no Brasil lembro a recente intervenção feita por Glauco Mattoso no clássico A Pata da Gazela de José de Alencar, que o iconoclasta-mor da Paulicéia transformou em A Planta da Donzela, alternando os trechos alencarianos com eruditas digressões sobre a adoração sexual dos pés (podolatria?). É a mesma cultura do “mash-up” (que poderíamos traduzir livremente como “mexa”). Seu produto mais simbólico é a obra do DJ Danger Mouse, que misturou as músicas do White Album (1968) dos Beatles e as do Black Album (2003) de Jay-Z, produzindo o seu Gray Album (2004).

Agora, a escritora Kate Harrad lançou através de seu blog Fausterella uma experiência (ver: http://loveandzombies.co.uk/genderswitching/) que consiste em pegar um texto clássico e inverter o sexo dos personagens, tornando homem quem era mulher e vice-versa. Ela exibe exemplos retirados de Jane Austen, de G. K. Chesterton (com uma detetive chamada Sister Brown, ao invés do clássico Padre Brown) e principalmente das aventuras detetivescas de duas grandes amigas, Shirley Holmes e Jane Watson. Destas últimas, Kate fornece textos completos (em inglês, claro) dos contos “Um escândalo na Boêmia” e “O homem do lábio torcido”.

Kate comenta que mantém o texto original, salvo no que se refere ao sexo dos personagens. Fica engraçado ler os longos diálogos entre Miss Holmes e Mrs. Watson (pois Jane tem marido), as duas discutindo as mesmas questões dedutivas a que nos acostumamos, mas que agora adquirem um viés completamente inesperado quando imaginamos o apartamento de Baker Street e duas damas vitorianas conversando sobre crimes enquanto fumam cachimbo e tocam violino.

Kate Harrad fornece um link para o saite “regender.com” (http://regender.com/index.html), que se oferece para mudar o tratamento masculino ou feminino de qualquer página da web fornecida. O saite propõe estas questões: Como seria o mundo se os sexos trocassem de posição? Como seria ele, se o inglês tivesse pronomes que não indicassem o gênero? Como seria ele se a língua o inglesa identificasse raças tal como identifica os sexos? Para oficinas e grupos literários isto pode ser um exercício para avaliar plausibilidade, habilidade técnica, preconceitos inconscientes e embutidos, adequação do diálogo ao personagem, além de muitos recursos dramatúrgicos que imaginamos serem universais mas que estão condicionados à visão que temos do que é ser homem ou ser mulher.