terça-feira, 17 de janeiro de 2012

2768) Escritor pop (17.1.2012)



(ilustração: Domitille Collardey)

Roberval é um escritor pop. Durante séculos a classe literária mofou no abandono, no anonimato, morando em mansardas, rabiscando trilogias à luz de velas, e vendo com inveja o modo como os repórteres e os “paparazzi” se amontoavam à porta dos músicos populares e das estrelas do cinema. Mas o mundo mudou. O marketing evoluiu. Os “publishers” perceberam que se era fácil transformar um brucutu analfabeto numa celebridade, deveria ser fácil fazer o mesmo com um intelectual de óculos. E o fizeram com Roberval, cujos romances agora vendem centenas de milhões de exemplares em trinta idiomas.

Roberval desce à rua para ir na padaria, e a imprensa se acotovela: “E aí? Terminou o capítulo?”. Ela se refere, claro, ao capítulo 18 de seu romance vampiresco “Tatuagem de Sangue”. Roberval (ainda novato, ainda se julgando na obrigação de responder tudo que lhe perguntam), diz: “Ainda não... Tive que parar agora de tarde, a cena se passa em Varsóvia, tive que consultar o Google Earth...” Flashes cintilam. Em segundos, a frase estará no YouTube; fãs poloneses abrirão bandeiras de saudação no telhado, mesmo sabendo que a chance de serem vistos pelo astro é remota.

Se fosse sempre assim era uma maravilha. Mas, e quando Roberval deixa vazar pelo Twitter a morte de um personagem? Tem que desplugar os telefones, trancar-se em casa. Já foi seguido até o aeroporto pelo fã-clube de uma vítima. Outro momento delicado é o da assinatura de contrato com a editora. A imprensa se informa e o bota no canto da parede: “Por que cobrou 15% na tradução britânica, e somente 10 na tradução finlandesa?” E tome a vasculhar seus emails, e tome tentativas de quebrar seu sigilo bancário. Emissários de outras editoras vêm trazer-lhe ofertas irrecusáveis, que ele recusa sem piscar o olho. Queixa-se à esposa de que o celular do seu agente vive desligado; ela comenta que talvez lá em Ibiza o sinal não pegue.

O avanço de cada capítulo é acompanhado pela TV a cabo e pelas câmaras dos saites literários como se fosse a votação de uma emenda constitucional. É preciso justificar cada frase, porque entre seus leitores há os que torcem pelo vampiro, os que torcem pelo cientista, os que torcem pelo primaz da Igreja Ortodoxa (presente em todos os livros), os que torcem pelos agentes da Exterpol... E o pior é que depois do seu mais recente e avassalador sucesso a editora que obrigá-lo a usar um editor de texto capaz reproduzir num blog, em tempo real, tudo que ele digita e deleta em casa. Quando o mundo lhe dará um segundo de trégua? Dura é a vida de quem escreve com um milhão de fãs olhando por cima do seu ombro e dando palpites.