terça-feira, 10 de janeiro de 2012

2762) A vida é linda (10.1.2012)




Eu fazia de tudo para deixar Florisbela feliz. Quando ela pedia para ir à noite no restaurante tal, eu dava uma geral no menu, à distância, e fazia com que preparassem alguns dos pratos preferidos dela (mas não tantos que a fizessem sofrer com indecisões). A coisa mais linda do mundo era vê-la arregalar os olhos azuis diante do cardápio e exclamar, deliciada: “Peixe ao molho de maracujá! Adoro isso!”. Sem falar nos sinais de trânsito, que eu sempre preferia ir abrindo de um em um, na hora, improviso total, maior jazz sem perder o compasso, enquanto ela murmurava: “Você dirige tão concentrado...”

Nada me dava mais prazer do que dar prazer a Florisbela, e para felicidade minha ela era uma menina de coração puro, por isso nunca tive de manipular as tômbolas da Mega Sena ou coisa equivalente; Florisbela desprezava os novos-ricos. Sua alegria era a das pequenas coisas, por isso eu conseguia presenteá-la com um arco-íris numa tarde sem chuva ou flores que brotavam nas alamedas do parque enquanto caminhávamos (e desapareciam para sempre quando íamos embora). Ir ao cinema com ela exigia de mim performances caprichadas, verdadeiras acrobacias mentais, como quando vimos Em Algum Lugar do Passado e ela foi a única pessoa no cinema a receber em suas retinas os dez minutos de um final feliz. (O pior é que depois era preciso monitorar as conversas dela com as amigas, que tinham visto a versão oficial do filme e achavam Florisbela meio desorientada.)

Beijava meu rosto e dizia: “Me sinto tão bem contigo, visse?...”, enquanto eu guiava pela cidade, meio à toa, ao volante de um carro sem uma gota de gasolina, evitando parar num posto para não quebrar o encanto das canções dos Beatles que estávamos escutando juntos (num pendraive vazio). Cada momento nosso era mágico e especial. Num domingo em que acordamos preguiçosamente, com alguns compromissos meio chatos, bastou perceber a languidez do seu olhar para produzir uma chuva que durou o dia inteiro, fazendo com que nos enroscássemos sem compromisso até a hora em que ela disse: “Vamos comer uma pizza?”, e a chuva parou como por milagre.

Os parcos conhecimentos astronômicos de Florisbela nunca lhe permitiram desconfiar do fato de que em todos os seus aniversários ela era presenteada com uma lua cheia espetacular. Isto me fez perder o senso de medida. Uma noite, quando passeávamos de mãos dadas à margem do Açude Velho, produzi uma aurora boreal que a deixou maravilhada, à beira das lágrimas. Mas de súbito ela teve um sobressalto, olhou desconfiada para mim e disse: “Peraí... Aurora boreal na Paraíba?!!!”. Aí pronto, desse dia em diante nada mais deu certo.