sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

3062) A gente não presta (21.12.2012)






Nelson Rodrigues tornou célebre o conceito de “complexo de viralata”, a forma peculiar de complexo de inferioridade que o brasileiro em geral costuma puxar do bolso à menor derrota, ao menor fracasso. Esse complexo está bem ilustrado na famosa piada sobre a criação do mundo. Deus põe no Brasil as melhores florestas, as melhores praias, o que há de melhor na Natureza, e quando alguém reclama de tanto favorecimento ele diz: “Ah, você precisa ver o povinho vagabundo que eu vou colocar aqui”. 

Eu proponho rebater essa piada com outra em que Deus está distribuindo as classes sociais no Brasil, e vai derramando aqui as elites mais egoístas e mesquinhas, os intelectuais mais colonizados, os banqueiros mais rapaces, a classe média mais consumista, os políticos mais venais, e assim por diante. Alguém protesta contra tanto castigo e Deus responde: “É porque você ainda não viu o Povo-mesmo que eu vou botar aqui, é um povo que vai passar por cima disso tudo e vai fazer um grande país”.  A piada é besta?  Não é nem piada?  Sei lá, pra mim é tão boa ou tão ruim quanto a outra, porque a mente da gente aceita o que já está estruturalmente preparada para aceitar.  Tem brasileiro que duvida do Brasil e pronto, acabou-se. Para ele, dizer que o Brasil não presta serve de camuflagem inconsciente para o fato de que quem não presta é ele.

Caetano Veloso disse uma vez em sua coluna no “Globo”: “Gostaria que, em vez de desvalorizar para se eximir, que é o que a maioria se acostumou a fazer, as pessoas se habituassem a valorizar o Brasil, porque isso dá mais responsabilidade”. Acho que ele detectou o nosso bug.  Desvalorizamos o Brasil para que o Brasil não cobre muito esforço de nós, coisa que o Brasil faria se estivesse destinado a grandes realizações. Somos como o jogador de futebol que diz: “Pra que correr? Vamos perder de qualquer jeito...”  E eis um belo exemplo de profecia que cumpre a si mesma.

Dizer que o Brasil não presta interessa a um grupo de deprimidos macambúzios (como desculpa para não fazerem nada, porque são mesmo incapazes de fazer seja lá o que for) e a um grupo de gente para quem o Brasil presta, e muito, do jeito que está – todos os que estão se enchendo de grana com o atual estado de coisas. “O Brasil é essa porcaria mesmo”, dizem, “todo mundo aqui é ladrão, todo mundo aqui é vagabundo, isso aqui não tem futuro”. Desmoralizar o país é uma simples tática para bloquear os que gostariam de moralizá-lo. Talvez o Brasil seja (na visão desses caras) um pitbull que vai estraçalhar todos os seus esquemas, as suas tenebrosas transações, no instante em que descobrir que não é um mero viralatas. Quem viver, verá.


2 comentários:

Webston Moura disse...

Caro Bráulio,

É isso mesmo! Apesar do que é ruim, temos um potencial. Falta compromisso e articulação, espírito público. Moro em um município (Russas-CE) de cerca de 80 mil habitantes e uma receita que beira os 90 milhões de reais ao ano. Em 2007, essa receita era de 41 milhões. Mais que dobrou, mas quem disse que nossos gestores olharam a coisa como oportunidade social, coletiva, popular. Falta isso, falta ao povo, a nós, mecanismos melhores quanto a colocar a força, o potencial a nosso favor. Falar mal da coisa em si é realmente um abandono de si mesmo, de nós mesmos.

ode aos deuses disse...
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