domingo, 2 de dezembro de 2012

3046) A cantora virtual (2.12.2012)




(Hatsune Miku)


Ela é projetada no palco à frente da banda, que são músicos de carne e osso, tocando instrumentos de verdade. Ela, a estrela, é feita do que parecem ser feitas as estrelas: luz, vibrações, campos de energia que produzem em 3-D a silhueta de uma lolita nipônica cantando uma mistura de holo-karaokê com visual de hentai preteen. Na platéia, os teens analógicos pagam ingressos, compram bonecos, escrevem fanfic, compõem muitas das canções que ela canta no show.  É um show interativo, um mega-game em que você vê no palco algo que foi em parte criado por você. 

É uma coisa parecida com os Gorillaz, a banda cujos personagens só existiam em desenho animado, e a música era cantada e tocada por músicos atrás de uma cortina, ou coisa parecida. É o caso de Rei Toei, a “idoru” pop de William Gibson, cujo ser holográfico não se limitava ao palco, mas frequentava restaurantes, dava entrevistas em público. Interativa. Alumiosa. 

É assim que um homem a vê pela primeira vez: “E então os olhos dela encontraram os de Lanney. Foi como se ele cruzasse uma linha. Na estrutura do rosto dela, na geometria de ossos que o moldava, estavam codificadas histórias de fugas de dinastias inteiras, e privações, e migrações terríveis. Ele viu lápides funerárias nas escarpas de prados alpinos, com neve em fileiras sobre os seus lintéis. Uma fila de pôneis, hirsutos, o seu bafo branco e gelado, seguindo em trilha no alto de um canyon.  As curvas do rio lá embaixo eram riscas distantes de prata.  Chocalhos de ferro balançando nas rédeas, espalhando um clangor ao por-do-sol. Lanney estremeceu. Sentiu na boca um gosto de metal estragado”.

Por trás da mulher holográfica capaz de ter um olhar assim, existe tecnologia. O mesmo homem reflete depois: “Ela não é de carne, é de informação. Ela é a ponta de um iceberg, não, de uma Antártica de informação. (...) Ela induzia a visão nodal de uma maneira nunca vista; ela a induzia como narrativa”.  O olhar eletrônico dela é um teste de Rorschach subliminar, infravisível, capaz de bombardear uma descarga de ícones instantâneos bem na medula do inconsciente.

A cantora audiovirtual tem voz proporcionada por dubletes, ou tem voz sintetizada na mesma mesa que sintetiza as melodias que ela vai cantar?  Hatsune Miku (http://bit.ly/RuzsRD) está nas luzes da ribalta, ela própria é na verdade uma das muitas luzes dessa ribalta, e o que se pode dizer que alguém que é feita somente de informação e luz. Se estamos chegando à borda exterior do universo trans-humanista, os primeiros batedores que vêm ao nosso encontro são assim, digitais, holográficos, transparentes, súcubos angelicais, geishas skinpunks. 


2 comentários:

Kyanja Lee disse...

Interessante perceber como, mesmo sendo virtual, a estrela consegue suscitar, da plateia, reações como quando diante de uma genuína popstar. Talvez isso seja explicado porque o humano está por trás da tecnologia. Aliás, não consigo dissociar a tecnologia do componente humano e de suas motivações humanas.

Braulio Tavares disse...

Qualquer criação estética humana pode receber em si a projeção de emoções e imaginações humanas, desde que no contexto apropriado. Na verdade, o ser humano vive à procura de imagens onde projetar significados.