sexta-feira, 27 de abril de 2012

2854) A primeira vez de uma palavra (26.4.2012)





(Pandemonium, John Martin, 1825)

Um passatempo dos lexicógrafos é rastrear, em documentos antigos, o primeiro uso documentado de uma palavra.  Sabemos, por uma série de deduções, que certa palavra apareceu no século tal, em tal ou tal contexto, mas é preciso ter uma prova (um livro, jornal, etc.) em que ela apareça oficialmente pela primeira vez.  

Claro que depois dessa descoberta pode-se acabar descobrindo que anos antes havia uma “primeira vez” ainda mais primeira do que a outra, mas, paciência, a ciência é assim mesmo.  Se um novo fato incontestável é descoberto, arquiva-se o fato anterior.  A ciência existe para servir os fatos.

O saite Brainpickings, sempre cheio de pequenos fatos curiosos, publica uma série de exemplos do primeiro uso conhecido de palavras hoje banais (na língua inglesa, claro), de acordo com o Oxford English Dictionary

(Nesta coluna, já comentei o livro O Professor e o Demente, que aborda aspectos da criação desse dicionário: http://bit.ly/J1BatV). 

Ficamos sabendo que “anarquia” (“anarchy”) apareceu primeiro em 1539, num texto de Richard Taverner, definida como “a liberdade ou licença ilegal da multidão”. 

A palavra “pandemônio”, hoje tão popular, surgiu nobremente no Paraíso Perdido de John Milton (1667), onde ele se refere a “um solene Conselho a ser realizado no Pandemonium, a nobre Capital de Satã e seus Pares”.

Infelizmente os registros de primeira vez não mencionam a etimologia (a origem da palavra), porque eu gostaria de saber de onde veio “piquenique” (“pic-nic”), mencionada por Lord Chesterfield numa carta a seu filho em 1748.  

Da mesma época (1754) vem a palavra “cookie”, bolinho, que por vias transversas tornou-se tão popular no Brasil através da Internet: “cookies” são pequenos arquivos que são transportados para nosso computador quando entramos num saite, e que facilitam nosso reconhecimento quando vamos lá de novo.

Algumas dessas palavras se devem a autores clássicos: “audaciosamente” (“audaciously”) a Shakespeare (1598), “shopboy” a Jane Austen (1813). 

No caso de Shakespeare, posso imaginar que se trata de uma formação possível na língua (um advérbio a partir de um adjetivo um tanto rebuscado) mas que nesse caso não ocorrera a ninguém. No caso de Austen, era decerto uma palavra corrente na linguagem cotidiana da época, mas sem registro escrito. 

É bom lembrar que o Oxford Dictionary registra apenas o uso impresso mais antigo; raramente a palavra foi criada pelo autor em questão.  Está livre, oral, solta como a luz do sol. 

Quantas décadas uma palavra precisa estar na boca do povo até que um intelectual se atreva a reproduzi-la na página? 



2 comentários:

Renata Lins disse...

O piquenique de Lord Chesterfield é o primeiro registro em inglês, né?
Segundo o que diz aqui:
"The French used pique-nique to describe an at-home or restaurant dinner for which guests contributed or paid a share, but the English did not. Pique-nique, in any variant spelling, was not listed in the major dictionaries such as Nathan Bailey’s An Etymological Dictionary (1721/1756) or Samuel Johnson’s A Dictionary of the English Language (1755).

Lord Chesterfield, Philip Dormer Stanhope, had many French contacts, but he was unfamiliar with the Parisian custom of dining en pique-nique. Consequently, when his son used the picnic in a letter, Chesterfield asked for an explanation. This exchange is the first recorded mention of picnic in English. (His son Philip’s letter is lost.)"
https://picnicwit.com/timeline/17001799/lord-chesterfields-picnic-in-leipzig/

Braulio Tavares disse...

Renata: sim, acho que é isso, trata-se de um levantamento na língua inglesa, e eles devem registrar a primeira vez que uma palavra estrangeira é assimilada. Mas não lembro onde foi que vi essa referência.