sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

2735) “Jornal da Morte” (9.12.2011)




Esta canção de 1961 foi gravado pelo grande Roberto Silva, no quarto LP de sua histórica série Descendo o morro. A canção começa com vozes de jornaleiros bradando na rua, gritos agudos de mulher, uma sirene policial que uiva e a entrada de um cavaquinho lancinante. (Esta sirene precede em cerca de cinco anos sua utilização em “Highway 61” de Bob Dylan.) Um coral de vozes femininas repete: “Sangue – sangue – sangue...” E o cantor ataca: “Olha aqui este jornal. / É o maior hospital. / Porta-voz do bangue-bangue / e da polícia central”. E começa a relatar as notícias: “Tresloucada, seminua / jogou-se do oitavo andar / porque o noivo não comprava / maconha pra ela fumar... / Um escândalo amoroso / com retratos do casal / um bicheiro assassinado / em decúbito dorsal. / Cada página é um grito: / um homem caiu no mangue! / Só falta alguém espremer o jornal / pra sair sangue, sangue, sangue...” Ouça aqui a canção: http://www.youtube.com/watch?v=Tidd-RjnxOI.

A letra é do versátil Miguel Gustavo, que ajudou Moreira da Silva a criar seu personagem Kid Morengueira em sambas memoráveis. E que ficaria ainda mais famoso depois de compor o que se tornaria o jingle do tricampeonato da Seleção Brasileira no México, em 1970; “Noventa milhões em ação / pra frente Brasil / do meu coração...”

As imagens sensacionalistas, o tom explorativo das próprias manchetes, dá à música um tom de denúncia que a afasta dos sambas humorísticos de Morengueira. A canção tem o tom melodramático mas coberto de urgência de outros sambas do seu tempo, como “Mãe Solteira” de Wilson Batista e Jorge de Castro: “Hoje não tem ensaio na escola de samba / o morro está triste, e o pandeiro calado; / Maria da Penha, a porta-bandeira, / ateou fogo às vestes / por causa do namorado”. Ou de “Notícia de jornal”, de Haroldo Barbosa e Luiz Reis: “Tentou contra a existência num humilde barracão / Joana de Tal, por causa de um tal João...” São sambas em que os desajustes sociais e as pequenas tragédias anônimas são vistas por um breve instante através dos olhos de um público e da linguagem da “mídia ambiente” (o jornal da morte, a notícia que “carece de exatidão”). São antecessores do corpo que tem “em vez de rosto uma foto de um gol” de Aldir Blanc e João Bosco. Drogas, escândalos sexuais, homicídio de bicheiros, tudo isto aparece nessa canção de 50 anos atrás como algo que se reencontra todas as manhãs, pendurado numa banca de revista. A mesma fascinação sustenta a edição de “faits divers”, de folhetos de cordel sobre crimes famosos ou fatos inusitados, e dos jornais que dão fama às tragédias da micro-história cotidiana.