sábado, 12 de novembro de 2011

2712) Pior do que o mal (12.11.2011)




Na cozinha de um restaurante, um sujeito não conserta direito a mangueira de um bujão de gás, que dias depois explode, matando algumas pessoas. 

Na estrada, um motorista se distrai tentando trocar o CD que estava ouvindo, bate de frente com outro carro, e morrem duas famílias. 

Num campo de batalha, uma ordem pelo rádio é mal compreendida e um batalhão se desloca para leste ao invés de oeste, sendo dizimado pela artilharia inimiga. 

Dois homens fazem uma piada de mau gosto na porta de um bar; um transeunte pensa que estão rindo dele e inicia uma briga que, muitos tiros depois, deixa alguns mortos.

Goethe afirmou certa vez que os mal-entendidos e as negligências causam mais danos ao mundo do que a maldade humana. A gente tem uma tendência a ver o Mal como um jorro íntegro e maciço de ruindade, algo que existe apenas para ofender, matar, destruir, corromper, vilificar. 

O Mal é uma força que tem a intenção, o orgulho e a vaidade de ser má. Faz a maldade com a dedicação circunspecta de quem cumpre uma missão inadiável, com a euforia de quem está fazendo o que mais gosta, com a brutalidade de quem só tem uma ação que justifique sua existência e precisa cumpri-la integralmente o mais depressa possível.

Este será o Mal grandioso, o Mal montanha, o Mal cordilheira. Mas pelo que se vê existe uma forma mais minúscula e mais insidiosa, uma espécie de varejo do Mal, em que nada é grandioso, nem mesmo as intenções, mas dá passagem ao Mal de qualquer forma (o Mal compreendido aqui como a fonte da infelicidade e da destruição humana). 

Há um poema de Brecht que diz: “Escapei dos tigres, alimentei os percevejos”. Esse Mal-percevejo habita nosso cotidiano. Mesmo quando escapamos aos tanques de guerra, aos genocídios étnicos, aos serial killers, existe uma maldadezinha mixuruca e tacanha destinada a empobrecer nossa vida, roê-la pelas beiradas, como uma cárie capaz de deteriorar tudo em pequena escala.

Pior, muitas vezes, do que o Mal grandioso, é o Mal insetóide, minúsculo, fervilhante, que se exprime pelo mal-entendido, pela má vontade, pela coisa mal feita; pelo erro de cálculo, pela imprevidência, pelo descuido, pelo esquecimento relapso, pela desatenção, pela omissão, pelo vacilo, pela bobeira. 

Razão tinham os primitivos que acreditavam na existência de um Demônio Chefe mas também na existência de mil demoniozinhos menores, que quebram a telha, deixam o gás aberto, furam o pneu, desencapam o fio, travam o fecho, e produzem com certo esforço na mente humana aquele “branco” de dois ou três segundos de duração que é tudo de que o Mal precisa para fazer explodir sua catástrofe repentina.