sexta-feira, 7 de outubro de 2011

2681) Sugestão de pauta (7.10.2011)



Quando pisei pela primeira vez numa redação de jornal, aos quinze anos, tomei contato com uma das mais nobres instituições da imprensa, aquilo que chamamos informalmente de Tesoura Press. Era no tempo dos “Diários e Rádios Associados” de Assis Chateaubriand, expressão que meio século atrás tinha o mesmo peso que têm hoje os fonemas “Organizações Globo”. Os Associados tinham como principal órgão impresso O Jornal, editado no Rio de Janeiro, que servia a todos nós de fonte inesgotável de informação. Sendo ele o principal órgão da rede, qualquer jornal da rede podia impunemente (e na verdade devia) copiar qualquer matéria que ele publicasse. E tome a Tesoura Press a funcionar.

A bem da verdade histórica e do memorialismo, não cortávamos as matérias com tesoura: colocávamos a folha do jornal aberta na mesa, apertávamos uma régua marcando a linha do corte, na vertical e na horizontal, e puxávamos a folha de encontro à régua. Depois era só colar o recorte numa folha tamanho ofício, fazer as retrancas, ou seja, as indicações de tamanho, colunas, página, ilustração, etc., e descer via cordão pelo buraco do poço (uma abertura vertical através do piso, forrada de madeira, que ligava a redação no 1º. Andar e as oficinas no térreo). Beleza! Pausa para um cafezinho.

As famigeradas “sugestões de pauta” que hoje nos chegam pela Internet são um mero prolongamento dessa lei do menor esforço que preside o jornalismo mal pago. Para que quebrar a cabeça atrás de notícias, se já temos notícias publicadas no órgão líder da nossa cadeia, e basta recortá-las? Para quê, se chega às nossas mãos, diariamente, uma pilha de envelopes com “press-releases” impressos, de empresas de todo tipo, com a notícia que lhes interessa já redigidazinha, calibrada, no tom certo, doida pra saltar para a vitrine luminosa da página impressa? Pra que bater pernas nas calçadas e se esbaforir ao sol do verão em busca de coisas importantes que mereçam ser publicadas, se nossa caixa de emails (a minha, pelo menos) mostra diariamente 255 mensagens com o promissor título de “Sugestão de pauta”? É a tendência dos tempos, e em meio século só fez crescer.

O corolário: liberdade de imprensa deveria significar também iniciativa de imprensa. Pensamento próprio, idéias próprias, agenda própria de ação, de posições a serem tomadas. Um jornal (uma rádio, uma TV) não é um mero muro onde alguém chega e prega seu cartaz de propaganda. Um jornal é (ou teria que ser, idealmente) um muro que pensa, um muro com idéias próprias, que não exibe somente o que lhe pregam por cima. Um muro que pauta a si próprio, que só prega em si algo em que acredita.