sexta-feira, 19 de agosto de 2011

2639) Drummond: “Jardim da Praça da Liberdade” (19.8.2011)



Os poetas parnasianos viviam uma versão chapa-branca do Brasil, envoltos num ufanismo cuja melhor tradução é o famoso verso de Olavo Bilac, primor de patriotismo histérico: “Pátria, latejo em ti!”. A gente manga dessas coisas (eu, pelo menos) mas precisa reconhecer que são fases necessárias para a formação de um conceito de nação. A primeira coisa que o colonizador incute no juízo do colonizado é que aquilo ali não presta, é inferior, que não vale a pena defender aquelas matas atlânticas ou jazidas de diamantes; mas quando a maré política se inverte é preciso reverter essa lavagem cerebral. A literatura e os demais discursos verbais nos fornecem argumentos e justificativas para que a gente sinta tais e tais coisas. Hoje em dia, por exemplo, a defesa do meio ambiente é uma questão de tal importância que mesmo os argumentos idiotas em seu favor são males menores, pois ajudam muita gente a dar atenção ao problema. No tempo dos parnasianos, a República foi na verdade a verdadeira Independência, um abrir-os-olhos para a existência de um Brasil administrado pelos brasileiros. O ufanismo pomposo e grandiloquente de Bilac era melhor do que o complexo de viralata dos 400 anos anteriores.

O modernismo introduziu a ironia na poesia brasileira, a capacidade de ver-se com olho crítico mas sem complexo de inferioridade. Até então, nossos poetas viviam num internato católico; de 1922 em diante, foram soltos na rua e ganharam emprego de motoboys, com uma única instrução: “Te vira”. No livro Alguma Poesia, Drummond contempla o “Jardim da Praça da Liberdade”, aquela paisagem ao mesmo tempo parnasiana (pela superfície bucólica que tenta aparentar) e modernista, por ser um artificialismo que denuncia a si próprio (“Bonito demais. Sem humanidade. Literário demais.”). Ele ironiza o paisagismo ingênuo (“rosas geométricas”, “jardim tão pouco brasileiro”, “a terra não sofreu para dar essas flores”) e expõe o contraste entre a sugestão de natureza presente em qualquer jardim e o círculo de ferro do conservadorismo em perpétua sentinela (“jardineiros oficiais”, a “moldura das Secretarias compenetradas”, a “prefeitura vigilante”).

Para quem não conhece, a Praça da Liberdade fica diante do palácio do governo mineiro, cercada pelos prédios austeros da secretarias. Agora, tudo está sendo transferido para o novo Centro Administrativo, a meio caminho do aeroporto de Confins. Para mim, que morei e estudei ali ao lado, era o lugar de passeio de fim de tarde entre gramados e palmeiras, num oásis de natureza artificial cercado por um cinturão do Poder político (e, na época, da ditadura militar). As ironias de Drummond para com essa praça (que ele certamente amava tanto quanto eu) exprimem esse novo patriotismo cheio de auto-crítica. Um patriotismo século 20, mesmo que já no século 21 grande parte dos brasileiros ainda esteja encalhada no complexo de viralata ou no orgasmo perpétuo do ufanismo nacionalista.


2638) Os ricos são diferentes (18.8.2011)



A pesquisa foi publicada na revista Current Directions in Psychological Science, por Dacher Keltner e colaboradores. O objetivo era examinar pessoas de diferentes classes sociais na tomada de decisões baseadas em empatia, compaixão, altruísmo, solidariedade social, etc. A conclusão foi que os ricos têm uma experiência de vida que os induz a ter menos empatia, menos altruísmo, e a serem em geral mais preocupados consigo mesmos. Já os pobres mostram um comportamento mais impregnado de união social e compaixão. Eles interpretam melhor os sentimentos alheios, têm mais empatia e estão mais dispostos a dar algo a quem precisa.

Nos vídeos gravados pelos pesquisadores, as pessoas mais ricas geralmente mantêm uma atitude distraída, checando o tempo inteiro seus celulares, rabiscando num papel, evitando contato visual com o interlocutor, enquanto que as pessoas de menor poder aquisitivo encaram as outras de frente e fazem sinais mais frequentes com a cabeça indicando que estão entendendo o que lhes é dito.

Os pesquisadores consideram que a atual guerra política nos EUA, envolvendo impostos, teto de endividamento e as práticas atuais do mercado de capitais têm sua origem na “ideologia do interesse próprio” das classes mais ricas. Os ricos acham que o sucesso econômico, político e pessoal se deve a comportamentos individuais e a uma boa ética de trabalho. Pelo fato de não reconhecerem a importância de conexões familiares, dinheiro e melhor educação, eles tendem a desdenhar a ajuda do governo em seu sucesso e opõem-se vigorosamente a financiar esse governo com impostos. Para Mark Wilhelm, economista da Indiana University, a maioria das pessoas é capaz de responder com rapidez quanto pagou de impostos no ano passado, mas poucos seriam capazes de calcular o quanto se beneficiaram do governo – dirigindo em estradas federais, tomando remédios produzidos através de pesquisas financiadas pelo governo, ou usando invenções de pessoas que foram educadas em escolas públicas.

Os ricos tendem ao isolamento, consideram que todo seu sucesso se deve a si próprios, e que não faz sentido dividi-lo com mais alguém. Os ricos não são propriamente egoístas, são voluntariamente desatentos, e desse modo incapazes de fazer a ligação cognitiva entre necessidades e recursos. Enquanto isto, a distância entre os mais ricos e o resto da população continua a aumentar nos EUA, onde 80% da riqueza do país é controlada por cerca de 20% de sua população.

Os ricos são cruéis? Talvez nem tanto. Como qualquer um de nós que se julga em boa situação, eles acham que merecem tudo que têm, e talvez merecessem até um pouco mais. Seu índice de normalidade é o seu próprio nível de vida. Muitos deles até se dispõem a dar 1 milhão a uma instituição de caridade, desde que essa decisão seja sua, mas chiam e esperneiam se o governo os obrigar a doar mil dólares para gente por quem eles não se interessam nem um pouco.