sábado, 11 de junho de 2011

2580) A FC da América Latina (11.6.2011)



Acabo de receber um exemplar de The Emergence of Latin American Science Fiction de Rachel Haywood Ferreira (Middletown: Wesleyan University Press, 2011), o mais recente título na crescente bibliografia de brasilianistas norte-americanos sobre a FC no Cone Sul. Rachel é professora na Iowa State University, e esteve no Brasil anos atrás entrevistando autores e pesquisadores da FC brasileira. Fez o mesmo em outros países, e seu estudo é um apanhado da FC praticada em nosso continente antes de 1920, ou seja, antes que o próprio termo “science fiction” fosse inventado. (Oficialmente, o termo surgiu em 1926, criado por Hugo Gernsback na revista Amazing Stories. No mesmo ano, Monteiro Lobato já estava publicando aqui O Choque – Romance do Choque das Raças na America no Anno de 2228, que atualmente tem o título de O Presidente Negro e voltou a ser discutido em função da eleição de Barack Obama.)

Qualquer estudo desse período mostra de maneira muito clara que a ficção científica de nosso continente não deriva dos “pulp magazines” norte-americanos pós-1926, mas dos chamados “romances científicos” europeus do século 19, tipicamente as obras de Julio Verne e H. G. Wells. Naquele tempo, era a Europa que nos colonizava culturalmente, que era contemplada e imitada pelos nossos literatos. Os EUA só a ultrapassaram após a II Guerra Mundial, quando a invasão foi maciça, e, ironicamente, não poupou sequer a debilitada Europa. Na história de qualquer país europeu, 1945 é um divisor de águas, é o momento em que Verne & Wells foram suplantados pela pulp fiction.

O livro de Rachel Haywood Ferreira refere obras brasileiras como Páginas da História do Brasil Escritas no Ano 2000 (folhetim, 1869-1872) de Joaquim Felício dos Santos, São Paulo no Ano 2000 (1909) de Godofredo Barnsley, Doutor Benignus (1875) de Augusto Emilio Zaluar, O Fim do Mundo (1856) de Joaquim Manuel de Macedo e “Demônios” (1893) de Aluísio Azevedo. São textos familiares aos pesquisadores brasileiros, embora praticamente desconhecidos pelo público leitor em geral. Creio que para nós a maior descoberta será a análise de RHF sobre autores de outros países, tais como Eduardo Ladislao Holmberg, Eduardo Ezcurra, Amado Nervo, Miguel Cané, Juana Manuel Gorriti, etc. Alguns, desconhecidos para nós; outros famosos, como é o caso de Leopoldo Lugones, mas sobre cuja obra de FC pouco sabemos.

O livro de RHF vem se somar a outros lançamentos recentes como Ficção Científica Brasileira de Elizabeth M. Ginway (São Paulo: Devir, 2005), Cosmos Latinos: an Anthology of Science Fiction from Latin America and Spain, editada por Andrea Bell e Yolanda Molina-Gavilán (Wesleyan University Press, 2005) e o brasileiro Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil – 1875 a 1950 de Roberto de Sousa Causo (Editora UFMG, 2003). São as primeiras escavações em busca da pirâmide soterrada da literatura fantástica em nosso continente.