terça-feira, 26 de abril de 2011

2540) Valorizar o que é nosso (26.4.2011)



Esta discussão retorna ciclicamente na música popular, no cinema, na televisão, no escambau. Num mercado onde a disputa por espaço é na base do tapão-e-pontapé, um dia alguém percebe que uma porção de sujeitos de fora está invadindo um mercadozinho que antes era somente nosso. E pior, estão fazendo o maior sucesso, porque trazem algo diferente e parece que o nosso povo está gostando! Não interessa por que gosta. Pode ser porque os forasteiros tenham maior poder econômico. Pode ser porque tenham algum tipo de poder político e consigam acesso a canais (imprensa, verbas, espaços públicos, etc.) que os artistas locais não alcançam. Pode ser apenas porque são diferentes, e o povo gosta de novidades. Pode ser (hipótese terrível!) porque são melhores do que nós. Não importa a razão, a verdade é que quando essa ocupação começa a acontecer brota dos 256 pontos cardeais o brado: “Vamos valorizar o que é nosso!”.

Aqui estou eu, portanto, para trazer meus centavos de opinião. Vamos, sim, valorizar o que é nosso. Que não seja simplesmente porque é nosso, pois não vejo lucro em ficar com uma idiotice feita aqui e descartar uma coisa boa vinda de fora. Mas se os valores são iguais – besteira por besteira, ou coisa boa por coisa boa – até compreendo que a gente dê um crédito de confiança e uma injeção de incentivo à prata-de-casa.

Já vi esse filme nas velhas lutas cineclubistas dos anos 1970, quando queríamos forçar a exibição de filmes brasileiros num mercado dominado pelos norte-americanos (não mudou muita coisa em 40 anos). Vejo ainda hoje, nas festas de São João nordestinas, na briga do forró pé-de-serra contra o falso-forró avestruz-com-leite. Vi um filme parecido na época pré-globalização, quando havia reserva do mercado de informática para os computadores feitos no Brasil (lembram do COBRA?), e éramos impedidos de importar computadores e softwares estrangeiros. Vamos valorizar o que é nosso! Que frase importante. E problemática.

Algumas hipóteses em que vale a pena, sim, valorizar o que é nosso: 1) Quando o que é nosso, mesmo tosco, mesmo amadorístico, nos revela e nos retrata de uma maneira que nenhum gênio de fora conseguiria; 2) Quando o que é nosso surge numa rede de atividades que tende a nos transformar numa comunidade interligada de produtores culturais, e não de meros consumidores endinheirados do Produto Externo Bruto; 3) Quando o que é nosso serve, lá fora, de parâmetro para que seja julgado o nosso talento, os nossos valores, a nossa capacidade de sentir, de entender e de criar; 4) Quando os valores culturais retrocedem para um segundo plano e nos vemos naquela fase em que tudo não passa de uma briga de foice pelo domínio de um território, pela posse dos corações-e-mentes de um povo (que por acaso é o nosso!), e, na dúvida, melhor ocupar primeiro o território nosso com o produto nosso... e dar nesse produto nosso uma surra de “crítica construtiva” depois.