domingo, 30 de outubro de 2011

2701) Correr com os touros (30.10.2011)



Já vi na mão de muita gente um livro chamado Mulheres que correm com os lobos, que ao que parece é um clássico entre as feministas, “um livro libertário, libertador”, dizem elas. Esse título sempre me lembrou aquele filme de Neil Jordan, A Companhia dos Lobos, em que uma mocinha, na noite de núpcias numa cabana da floresta, vê seu noivo se transformar num lobisomem horroroso. Por que motivo, matutava eu, uma mulher iria querer correr com os lobos? Perguntei a uma amiga minha, que é meio xamã (não sei o feminino de xamã, vá desse jeito mesmo) e ela explicou: “A sociedade industrial, patriarcal e judaico-cristã reprimiu a animalidade feminina. A fisicalidade da mulher ou foi reprimida pelo puritanismo como fonte de todos os males, ou foi industrializada, para consumo compulsório dos machos com poder aquisitivo”. “Beleza”, respondi, “mas onde entram os lobos?”. Ela prosseguiu: “Os lobos são o símbolo da animalidade não reprimida, em estado selvagem, o Id freudiano traduzido em carne, músculos, sangue. A mulher que consegue correr com os lobos e sobreviver está libertada”.

Não tive escolha senão concordar, porque de fato as mulheres são muito reprimidas, basta ver os milhares de vezes que puxam a saia para baixo, ao sentar e ao levantar (quando de fato bastar-lhes-ia sair de casa com uma saia bem longa). Mas a tragédia das mulheres é isso. Metade dos homens as obrigam a mostrar, e metade as obrigam a esconder. E tome puxar a minissaia pra baixo.

Este arrazoado todo é para dizer: Se é assim, então por que motivo as mulheres mangam tanto daqueles caras (dos quais eu mango também, sedentário que sou) que correm atrás dos touros em Pamplona? Sai todo ano no Jornal Hoje: abrem as porteiras e os touros saem desabalados pelas ruas da cidade, enquanto centenas de otários se jogam na frente deles, agitando panos e levando chifradas que os arremessam a seis metros de altura, como espantalhos desengonçados. Num mundo onde as mulheres são tão reprimidas que querem correr com os lobos, os homens também precisam correr lado a lado com um minotauro qualquer, sentir a adrenalina do perigo e o bafo fétido da Besta, praticar uma façanha insensata que os mande de volta para casa trêmulos de terror e de triunfo, dispostos a enfrentar mais um ano de pasta dental, café da manhã, terno, metrô e escritório.

Ou talvez a hiperconsciência subliminar que nos faz antever o futuro nos esteja dizendo: “Acostumem-se a correr ao lado das feras, porque dentro de meio século serão elas que mandarão nessas cidades, será com elas que homens e mulheres terão que negociar sua sobrevivência”. Quem viver, correrá.

2 comentários:

eliana atihe disse...

Oi, Bráulio. Minha amiga Analê me mandou entrar no seu blog para conferir este post. Li e achei que: (1) feminismo e xamanismo são naturalmente excludentes, portanto ou bem sua amiga é uma coisa ou bem é outra e (2) pela resposta dela concluo que ela é, sim, feminista, mas não é xamã de jeito nenhum, ainda mais porque precisa de Freud para explicar alguma coisa qus só Jung, o mentor da dona Clarissa, complica, graças à deusa. O discurso da sua amiga,esgarçadinho e desbotado como uma velha bata indiana, mostra que ela está muito, mas muito desinformada mesmo, sobre a metáfora de correr com os lobos. Ela anda é bem devagar, lado a lado com acadêmicos e psicanalistas, esses paquidermes com cabeções que mal param em cima do pescoço de tão pesados. Sugiro que vc: (a) leia o livro e opine em primeira mão, sem recorrer a feministas de unhas roídas e sem sutiã, (b) entre no meu blog (http://elianaatihe.wordpress.com) e lá bata um papo com a mulher-esqueleto. Quem sabe ela te dá uma luz ou, neste caso, uma sombra. Beijo e até.

Braulio Tavares disse...

Ela é xamânica, sim, foi ela que fez você vir parar no meu blog e me dar essa descascada (ficou com raiva porque eu parafraseei mal o discurso dela).