sábado, 16 de julho de 2011

2610) Superpoderes (16.7.2011)



Os heróis com superpoderes sempre nos fascinaram. Não há muita distância entre as Metamorfoses de Ovídio e os gibis da Marvel ou DC Comics. Freud escreveu um ensaio muito lúcido sobre o Herói na literatura popular. Quem é, pergunta ele, esse sujeito invencível, que conquista todas as mulheres, surra todos os inimigos, escapa de perigos catastróficos, deslinda mistérios impenetráveis? Ora (responde), é o Ego, é nosso rosto quando nos penteamos ao espelho, é aquilo que queremos ser. (Talvez não “queiramos” no sentido de ter isto como um objetivo concreto; mas fantasiamos sê-lo, para compensar nossas deficiências. Se você não pensar que é James Bond, não consegue azarar sequer a caixa do supermercado. Se você não pensar que é Napoleão, não consegue encarar uma reunião de condomínio.)

O filme Heróis (“Push”, 2009), de Paul McGuigan, mostra um grupo de pessoas com superpoderes desenvolvidos artificialmente por uma agência de espionagem. São tantos poderes que fiquei meio perdido e depois do filme fui consultar o saite. Olha só a lista dos poderes, de acordo com cada grupo:

“Movers”, que podem mover objetos com a força da mente. “Pushers”, que podem controlar os pensamentos de outras pessoas. “Watchers”, que podem ver o futuro. “Bleeders”, que emitem gritos em ultrassom, capazes de romper vasos sanguíneos do adversário. “Sniffs”, que podem rastrear pessoas. “Shifters”, que podem mudar temporariamente a aparência de um objeto aos olhos de outras pessoas. “Wipers”, que podem apagar memórias alheias. “Shadows”, que podem proteger a si mesmos e a outras pessoas próximas contra a detecção (dos Sniffs). “Stitchers”, que podem curar pessoas ou desfazer uma cura já feita.

É uma bela galeria daquilo que Freud apontou, no ensaio The Uncanny (“O Estranho”) como “a Onipotência do Pensamento”, a fantasia infantil de que somos capazes de modificar o mundo material com a mera força do pensamento, somos capazes de materializar idéias, de interferir no mundo físico sem mover um dedo. Os superpoderes do super-herói clássico, o Super-Homem, são da mesma natureza: poder voar, ser invulnerável, ter força descomunal, enxergar através das paredes, etc. A proliferação de histórias do gênero foi ampliando esse repertório. Em Scanners, os heróis são capazes de fazer explodir a cabeça de alguém. Em Jumpers, podem saltar fisicamente de um lugar para outro, bem distante. Se recorrermos ao repertório da Marvel e DC Comics, a lista não tem fim.

Cada superpoder das histórias de fantasia corresponde a uma impotência da vida real; cada um deles é inventado para suprir algo que somos incapazes de fazer. Cada superpoder é a compensação para os pequenos traumas da educação infantil, quando recebemos a terrível notícia de que não somos o Imperador do Mundo, não podemos fazer chover nem parar o sol no céu, não podemos comandar mentalmente o comportamento das outras pessoas, somos incapazes de mexer objetos sem levantar um dedo.

Um comentário:

Celso Augusto, O autor dos rebentos disse...

Ótimos paralelos, da Metamorfoses com os heróis.
E também a análise psicanalítica do ego, parabéns.