sexta-feira, 24 de setembro de 2010

2355) A palavra show (24.9.2010)




É uma silabazinha onipresente a partir do instante em que a gente aperta o botão do controle remoto. Assistir TV é escutar esse vocábulo que, como um Aleph, comprime no grão de si mesmo um universo de significação. 

Não se trata apenas do Fantástico, o Show da Vida mas de qualquer coisa que a TV esteja mostrando: é um show de calouros, um show de prêmios, tudo é um show de cobertura, um show de imagens, um show de transmissão... 

A TV é um show permanente, e neste sentido essa palavra pertence muito mais ao universo televisivo do que ao universo musical (“vou assistir um show de MPB”). O que chamamos de “show business” não se refere propriamente à música, embora instintivamente associemos estas duas coisas. Refere-se à televisão, a Máquina Mostradora por excelência.

“To show” significa “mostrar”, e é isso que a TV faz melhor do que ninguém. A TV não analisa, não interpreta, não questiona, nem mesmo quanto tenta fazer isso, ou quando parece estar conseguindo. A função orgânica da TV é mostrar. 

Ela mostra uma coisa, depois mostra outra coisa, depois mostra outra coisa, depois mostra outra coisa, depois mostra outra coisa, depois mostra outra coisa, e assim por diante, ao infinito. Foi criada para isto, e pense num produto que correspondeu à intenção! 

Mostra qualquer coisa, e, como as chamadas e os plimplins da Globo nos lembram o tempo inteiro, mostra acima de tudo a si mesma.

A expressão inglesa “to show off” significa “exibir-se, pavonear-se”, ou, mais paraibanamente, “se amostrar”. Dizemos que “o time do Santos ganhou a partida e deu um show”; isto não quer dizer apenas que jogou bem, mas que fez a costumeira exibição de firulas e pedaladas. 

O sujeito que se amostra está tentando ser-e-parecer mais do que é, está exagerando a si mesmo, está fingindo uma imagem um passo além da realidade; lamentavelmente, todo show tem um pouco disto. É da natureza do espetáculo de massas parecer que está mostrando algo quando na verdade se está mostrando uma versão mais colorida, mais ruidosa, mais luminosa e mais rica daquele algo. 

Em inglês, a palavra “show” no sentido de “exibição, espetáculo” data de 1561; no sentido de “ostentação exibicionista”, de 1713 (http://www.etymonline.com/index.php?term=show).

Ariano Suassuna, notoriamente ranzinza para com tudo que tenha cheiro de Bom Ar norte-americano, costuma chamar as apresentações musicais de “espetáculos”, e justifica: “Na minha terra, xô é uma palavra que se usa para espantar galinha”. 

Muita gente nem chama de “shows” aqueles espetáculos discretos, tipo voz-e-violão, de artistas como Elomar ou João Gilberto. Chama-os de concertos ou recitais, ou coisa equivalente. Porque é da essência do “show” musical o exibicionismo, as plumas e paetês, os naipes de sopros, as bailarinas, a fumaça de gelo seco... 

Uma tradução extremamente liberal da expressão “show business” nos daria “mostrar serviço”, e, no frigir dos ovos, é disso mesmo que se trata.