sábado, 11 de setembro de 2010

2344) “A Eva Futura” (11.9.2010)



Como já referi aqui, o primeiro uso oficial da palavra “andróide” foi em 1863, numa patente em nome de J. S. Brown. O primeiro uso literário do termo, no entanto, surgiu numa obra peculiar em que parecem se cruzar variadas tendências da literatura e do pensamento de sua época: A Eva Futura (“L’Ève Future”, 1886), de Villiers de l’Isle-Adam, mais conhecido como o autor dos Contos Cruéis (1883). Villiers, filho de uma família nobre arruinada, fez amizade nos cafés parisienses com autores tipo Baudelaire, Mallarmé, Alexandre Dumas Filho, etc., e começou sua carreira publicando poemas e peças teatrais.

A Eva Futura (há uma tradução brasileira pela Edusp, 2001) foi um romance que Villiers tentou publicar por duas vezes entre 1880-81, em forma de folhetim de jornal (no Le Gaulois e no L’Étoile Française), sendo a publicação interrompida, possivelmente, por reclamações dos leitores. A publicação completa se deu em La Vie Moderne entre 1885-86, quando por fim saiu o livro. A esta altura Villiers já tinha publicado sua primeira coletânea de “contos cruéis”, já tinha aparecido como personagem no clássico decadentista À Rebours de J.-K. Huysmans, e publicava também Axel, sua peça simbolista que seria tempos depois analisada com brilhantismo por Edmund Wilson em O Castelo de Axel. Villiers viveu numa lamentável pindaíba a vida inteira. Era um desses indivíduos que ostentam título de nobreza, moram numa água-furtada tomando café requentado e escrevendo poemas requintados. A França está cheia de gênios assim (não é ironia), que levaram Edgar Allan Poe totalmente a sério.

O livro de Villiers é um sintoma da norte-americanização (no bom sentido) da literatura francesa, por ter como um dos seus principais personagens Thomas Alva Edison, o inventor. Villiers faz uma “Advertência ao Leitor”, na qual pede licença para usar como personagem um cientista ainda vivo, pelo fato de ele ter se tornado uma lenda em sua própria época; e o compara com o Doutor Fausto, pessoa real usada literariamente por Goethe.

No livro de Villiers, o termo francês usado é “andreïde”, e se refere à mulher artificial criada por Edison para Lord Ewald, um nobre que se decepcionou com a noiva. O andróide (ou melhor, “a ginóide”) de Edison é uma réplica perfeita da noiva de Lord Ewald, mas com uma mente “em branco” na qual este poderia fazer “upload” (o termo é meu, não do autor) das idéias, valores, referências culturais e vocabulário que bem entendesse. Uma utopia machista, mas (se a observarmos sem paixões ideológicas) um retrato da crise angustiada desses artistas do século 19. Afinal, os artistas dessa época (de qualquer época) queriam o mesmo que as mulheres dessa época (de qualquer época): alguém a quem amar e com quem conversar em pé de igualdade. Os universos mentais de homens e mulheres da Europa de 1880 eram muito mais distantes entre si do que são em 2010. Como esperar outro tipo de literatura? De fantasia, de desabafo?