segunda-feira, 22 de março de 2010

1815) Os subterrâneos dos maias (2.1.2009)



(subterrâneo em Chavín de Huántar)

As civilizações pré-colombianas são um livro semi-destruído do qual só foram lidas umas poucas páginas. Quando os primeiros exploradores chegaram a Macchu Picchu em 1911, o mundo se espantou diante das fotos daquela cidade em ruínas mas intacta, perdida entre a selva e as nuvens. Foi a última descoberta de grande impacto, mas desde então inúmeros outros mistérios vêm sendo encontrados e (às vezes) esclarecidos pelos arqueólogos.

Uma característica importante dessas culturas, que a cada década fica mais clara, é o uso que faziam de cavernas e subterrâneos, aproveitando a região montanhosa e cheia de cavidades. Arqueólogos descobriram este ano um complexo de cavernas submersas interligadas com túneis acima do nível da água, incluindo uma estrada subterrânea com cerca de 100 metros de comprimento, tida como o caminho para um reino mítico subterrâneo chamado Xibalba. De acordo com o Popol Vuh, livro sagrado dos maias, esse caminho vivia cheio de obstáculos, inclusive rios cheios de escorpiões, de sangue e de pus, além de habitações escuras cheias de morcegos. Penetrar ali equivaleria mais ou menos (penso eu) a descer fisicamente ao reino dos infernos.

Essas descobertas coincidem com pesquisas nas ruínas de Chavín de Huántar, nos Andes peruanos. O povo Chavín é anterior aos maias e aos incas. Seus templos cujas ruínas são agora exploradas foram construídos entre 1300 e 600 a.C., e foram terminados mais ou menos na mesma época em que Nabucodonosor estava construindo os Jardins Suspensos de Babilônia. Os pesquisadores descobriram um intrincado labirinto subterrâneo, com planos superpostos e numerosos túneis. As paredes internas têm imagens talhadas na pedra, e os efeitos acústicos do local são impressionantes. Os pesquisadores imaginam que uma cerimônia de iniciação da época consistia em fazer o indivíduo tomar um chá alucinógeno (cacto de São Pedro) e conduzi-lo no escuro através do labirinto de túneis, enquanto trombetas aproveitavam a reverberação das galerias para produzir um efeito aterrorizante.

William Burroughs, que estudou drogas “in loco” e tinha uma curiosidade específica pela cultura maia, confirma isto indiretamente. Para ele, a sociedade maia se baseava numa dominação completa da população por parte dos sacerdotes, que exerciam sobre o povo um poder quase hipnótico. A julgar pelo que diz Burroughs, o calendário e as drogas eram dois instrumentos cruciais da manutenção do poder. Os sacerdotes maias mantinham a população praticamente hipnotizadas pelo uso experiente desses recursos. A realização de festivais periódicos – que possivelmente incluíam experiências como as descritas acima – lhes dava um controle antecipado sobre a população. Os sacerdotes controlavam o calendário, forneciam drogas, aterrorizavam indivíduos-chave com experiência incompreensíveis, sugeriam estar de posse de super-poderes e em diálogo direto com deuses sanguinários. Precisa mais?

1814) “Na ponta do verso” (1.1.2009)



No Brasil há numerosas formas de poesia improvisada, geralmente com acompanhamento musical. Só aqui no Nordeste temos a Cantoria de Viola, o Coco de Embolada, o Aboio e outras. Todos esses gêneros já foram objeto de estudo em livros e ensaios, mas são raros, ao que eu saiba, os volumes que tentam dar uma visão geral em todas as nossas formas de improviso popular. Um volume saído recentemente é “Na Ponta do Verso”, editado pela Associação Cultural Caburé (cabure@cabure.org.br), do Rio de Janeiro. O livro foi precedido por uma série de espetáculos realizados no Centro Cultural banco do Brasil, no Rio, em que diferentes grupos de improvisadores se exibiram, em 2005.

Deixo logo claro o meu envolvimento com o projeto, pois sou o autor do ensaio sobre Cantoria de Viola que abre o volume. Os demais ensaios são: “Aboio: canto de trabalho e gênero poético”, de Maria Ingnez Ayala, da UFPB; “Samba novo: a poesia do maracatu de baque solto”, autoria conjunta do compositor Siba (do grupo “Fuloresta do Samba”) e de Astier Basílio, nosso coleguinha aqui do jornal; “Coco de embolada: mágica na palavra e no pandeiro” também de Maria Ignez Ayala; “Partido-alto: a receita do samba integral” do compositor e pesquisador Nei Lopes; “O calango fluminense” de Cáscia Frade; “Versos de improviso nas chulas de palhaços de folias de reis”, de Daniel Bitter; “Cururu paulista”, de Alberto Ikeda e “A pajada no Rio Grande do Sul” de Paulo de Freitas Mendonça.

Para completar, o volume de 172 páginas vem acompanhado de um CD com 16 faixas. Entre elas destaco um baião de sextilhas com Ivanildo Vila Nova e Sebastião da Silva, extraído dos shows do projeto no CCBB. O coco “Boi Tungão” com José da Silva Sobrinho e Manuel Fausto de Lima, é uma gravação de 1938 feita pela Missão Mário de Andrade em Sousa (PB). Da mesma missão cultural é a rara gravação de um martelo agalopado com Belarmino de França e Lourival Batista, feita também em 1938 em Pombal. Outra gravação histórica é o partido alto cantado por Clementina de Jesus e João da Gente, extraído de um disco de 1966. As demais gravações são de data recente, em discos ou apresentações ao vivo, e trazem, entre muitos outros, os mestres de maracatu Siba, João Paulo e Barachinha, e os partideiros Tantinho da Mangueira e Marquinho China.

Este é um excelente portal de acesso para uma coisa que mesmo no Nordeste há quem não veja de forma muito nítida: o Repente. O Repente, amigos, não é uma estrofe específica, não é uma melodia, nem um estilo de cantar ao som de um só instrumento. As formas são inúmeras, e de algumas delas este livro-CD dá uma amostra. Repente é o verso improvisado, composto ou recomposto em fração de segundo. O Repente é o relâmpago, o verso súbito. Pode até ter sido extraído da memória, mas isso acontece em função do momento: para responder ao verso do parceiro, para atender um pedido da platéia ou para reagir a um fato que acabou de acontecer.

1813) Resoluções, e agora é pra valer! (31.12.2008)



Todo dezembro anuncio minhas “Resoluções para o Ano Novo”. Ao reler, um ano depois, me deprimo. Meus objetivos são simplórios, acessíveis, mas por alguma razão cósmica sou incapaz de cumpri-los. Agora, é o momento de mudar de tática. O presente texto é um repositório de missões impossíveis, coisas que estou “por fazer” há muitos anos. Se eu conseguir cumprir pelo menos uma delas, 2009 não será perdido.

1) Ler Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, cuja leitura venho adiando há quarenta anos por achar que ainda sou jovem demais. 2) Juntar na poupança o dinheiro suficiente para comprar uma casa à vista. 3) Comprar um violão novo, com cordas de nylon. 4) Entrar para uma academia para fazer alongamento, correção de postura e um pouco de musculação. 5) Terminar de escrever um dos 14 romances que iniciei de dez anos para cá.

6) Conhecer a África, e de preferência ir às Pirâmides do Egito e penetrar numa de suas galerias. 7) Assistir as oito horas de Berlin Alexanderplatz de Fassbinder. 8) Gravar um CD, para ver se me deixam em paz. 9) Reduzir em pelo menos um terço a quantidade de pastas de papéis acumuladas no meu escritório nos últimos 25 anos. 10) Viajar pelo Cariri paraibano e pernambucano, o Epicentro da Cantoria, entrevistando poetas e gravando repentes. 11) Terminar de postar em meu blog (http://mundofantasmo.blogspot.com) os cerca de 1.800 artigos que já publiquei aqui no Jornal da Paraíba. 12) Conhecer a Ásia e de preferência andar alguns quilômetros pela Grande Muralha da China. 13) Escrever um livro sobre o Treze, o glorioso Galo da Borborema, rememorando as grandes jornadas, as vitórias sensacionais, os gols inesquecíveis, os episódios pitorescos.

14) Conhecer as estátuas da Ilha da Páscoa. 15) Visitar os Estados brasileiros onde nunca fui até hoje, de preferência Amazonas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. 16) Comprar uma câmara e aprender a fotografar feito gente. 17) Escanear e tirar cópias de uma porção de fotos, papéis e documentos raros de família que por mais de uma vez escapei de perder para sempre. 18) Aprender a dar nó em gravata. 19) Escolher 12 óperas importantes, comprar os livros e CDs necessários, passar o ano escutando-as e lendo a respeito, para deixar de ser ignorante. 20) Fazer uma lista de alguns amigos e amigas que não vejo há mais de dez anos, e visitá-los.

21) Escrever um roteiro de um filme por minha própria cabeça, sem ninguém me dizendo o que pode e o que não pode fazer. 22) Reler o Dom Quixote. 23) Ler uma edição inteira das Mil e Uma Noites. 24) Conhecer Cordisburgo, o Morro da Garça e a Gruta de Maquiné. 25) Criar um moto perpétuo, equacionar a quadratura do círculo, forjar a pedra filosofal, produzir um software de tradução literária instantânea, moralizar a arrecadação de direitos autorais de música, dar um jeito em Campina Grande, na Paraíba e no Brasil. Por enquanto.

1812) “Os Intrusos” (30.12.2008)



("Saki", H. H. Munro)

A Sincronicidade, a ciência das coincidências significativas, implica na idéia de um campo semântico inconsciente, que nos empurra (sem que a gente perceba) na direção de informações que vibram em uníssono com o momento mental que estamos vivendo. Pode ser um estado de espírito passageiro, que dura algumas horas ou dias, e pode ser uma sintonia com áreas mais profundas, com o momento histórico que atravessamos.

Caiu-me sob os olhos, numa antologia, um conto que eu já lera mais em português, e cujo título em inglês (“The Interlopers” – “Os Intrusos, ou Os Intrometidos, ou Os Que Interferem”) não reconheci. O conto é de “Saki”, pseudônimo de H. H. Munro, um mestre britânico da história curta que morreu na I Guerra Mundial. O conto se abre narrando a rixa secular entre duas famílias nos Montes Cárpatos. Por causa uma imprecisão na demarcação da fronteira entre as propriedades, as duas famílias vivem se agredindo e se matando há gerações.

Certa noite tempestuosa, Ulrich Von Gradwitz percorre o bosque à procura de intrusos quando se defronta com seu inimigo histórico, Georg Znaeym. Mal os dois erguem as armas um contra o outro, um raio se abate sobre uma árvore próxima, que cai sobre os dois, machucando-os. Ulrich e Georg sobrevivem, feridos, presos sob os galhos, impossibilitados de se mover. Enquanto a tempestade prossegue, os dois começam por se amaldiçoar mutuamente, cada um deles dizendo que quando for encontrado cuidará para que o outro seja fuzilado. As horas passam. A tempestade cessa. Ulrich consegue tirar do bolso um frasco de vinho, do qual toma alguns goles que o reanimam. Oferece-o a Georg. O outro aceita.

Daí a pouco os dois estão conversando, tirando a limpo suas dúvidas, suas rivalidades, a longa história de ódio entre as duas famílias. E um deles faz a proposta: por que não acabar com tanta violência inútil? E se, quando forem salvos, chamarem suas famílias, explicarem o quanto aquela guerra é insensata? Ulrich e Georg se entusiasmam com essa possibilidade; e começam a gritar para atrair a atenção das pessoas que àquela altura certamente estarão, de um lado e do outro, à procura dos dois. Ouvem um rumor distante, e, à luz da lua, percebem vultos que correm na sua direção, cada vez mais próximos, atraídos pelos gritos. Georg pergunta: “São os meus homens? São os seus?” E Ulrich, com uma risada de desespero: “Não. São lobos”.

O que tem isto a ver com Sincronicidade? Tem o fato de que este conto me retornou durante estes dias em que as nações do mundo se debatem em desespero, tentando tapar rombos de trilhões de dólares que elas mesmas fizeram, nas suas concorrências e guerras insensatas. Vivem hoje um desastre que elas mesmas plantaram: a crise ambiental, a falência da produção de alimentos, e estão vendo a aproximação dos Lobos da Barbárie. Tomara que eu esteja errado, e que um dia, cofiando uma longa barba branca, possa murmurar: “Como eu era pessimista em 2008!”

1811) Alguns filmes de 2008 (28.12.2008)



O melhor filme de 2008 foi Não estou lá, de Todd Haynes, uma biografia fictícia de Bob Dylan através de meia-dúzia de personagens com nomes e histórias diferentes, que nunca se cruzam, interpretando fases de Dylan ao longo de suas sucessivas encarnações. Não é documentário, não é ficção: não é doc, não é fic. É um filme diferente de todos, magnificamente fotografado, e com interpretações notáveis, principalmente a de Cate Blanchett no papel de “Dylan em 1966”, que no filme se chama “Jude Quinn”. Já vi o filme três vezes e ainda não acertei um ângulo de abordagem para comentá-lo aqui nesta coluna; mas já que estou dando um balanço, fique o registro. Ah, falei na trilha sonora? Nem precisava.

Falar “o melhor filme” é de uma arrogância sem par, o cara dá a entender que viu todos os outros. Não vi nada. Nem os críticos profissionais vêem, quanto mais eu. Vou pouquíssimo ao cinema. Quando um filme me interessa, espero pelo DVD. Ainda assim, vi alguns bons lançamentos. Meu nome não é Johnny foi o melhor lançamento brasileiro que vi este ano. Não é um grande filme, no sentido de que o Encouraçado Potemkin e Deus e o Diabo...” são grandes filmes. Mas é um filme necessário para discutir uma das grandes questões do mundo: o fato de que metade da população urbana quer tomar drogas e a outra metade quer proibi-las. Além disso, tem uma direção segura, e grande interpretação de Selton Melo no seu estilo largadão/elétrico.

Já falei aqui sobre Across the Universe, aquele filme baseado nas canções dos Beatles. Na História do Cinema ele se situa mais ou menos naquela altura em que “Little Child” se situa no cancioneiro de Lennon e McCartney; mas é uma bela experiência áudio-visual acompanhar os novos arranjos e as ilustrações visuais de cada canção. Só o coloco na lista por ter sido um dos poucos filmes que vi mais de uma vez.

Juno, aquele filme sobre uma adolescente que fica grávida, foi um dos filmes mais simpáticos do ano. Já falei aqui sobre ele, comparando-o a Little Miss Sunshine: uma luz de esperança para um cinema americano que foge dos super-heróis em Som Dolby e 3.500 cópias. Um cinema que quer contar histórias simples e imprevisíveis sobre gente imprevisivelmente complexa, porque não há personagem mais simples que um Super-Herói, e ninguém mais complexo do que a filha adolescente do vizinho do lado.

O Gangster de Ridley Scott e Senhores do Crime de David Cronenberg foram dois policiais violentos e verazes, centrados em personagens sólidos, interpretados por Denzel Washington e Viggo Mortensen, respectivamente. A Culpa é de Fidel é um filme político de segunda geração, que em vez de se concentrar nas atividades revolucionárias dos pais registra a perplexidade dos filhos, que se sentem jogados para escanteio. Dirigido pela filha do para do cinema político, Costa-Gavras, tem uma função de ajuste de contas levada a cabo com discrição e sensibilidade.

1810) As melhores capas de 2008 (27.12.2008)



Joseph Sullivan, no blog “The Book Design Review”, dá um balanço nas melhores capas de livros de 2008. Sou desses caras compram de novo um livro que já têm, simplesmente porque a nova capa é uma obra de arte. O texto lá dentro não mudou uma vírgula, mas por abracadabra a qualidade visual da nova capa impregna o que está escrito, e lhe dá mais credibilidade. Um velho provérbio diz que “não se julga um livro pela sua capa”. Está errado. Pode-se não julgar um “texto” pela capa que lhe é aposta, mas a capa faz parte do “livro”, que é outra coisa.

Dito isto, vamos a um breve exame das belezas em pauta. (Sugiro ao leitor que dê um pulo em: http://bit.ly/K6ck). Três delas, sucessivas (U.S. vs Them, The Mayor’s Tongue e The Terror Dream), recorrem a um grafismo de cores básicas e papel recortado, com resultados bem diferentes. Violence de Slavoj Zizek (capa de Henry Sene Yee) mostra um papel branco amarfanhado com algo por trás, uma imagem inquietante e direta. O artista anônimo que fez a capa de Soon I Will Be Invincible teve a brilhante idéia de fotografar uma caixa de papelão cheia de gibis, sendo que o gibi da frente ostenta uma capa de super-herói com o título.

Duas capas usam a idéia de peso, carga insuportável: All the Sad Young Literary Men (um sujeito carregando um livro gigantesco às costas) e The Best Intentions, sobre a gestão de Kofi Annan à frente da ONU, em que o dirigente aparece minúsculo sob um título que reproduz o formato do edifício das Nações Unidas. Algumas capas abusam das cores e formas, como Bright Shiny Morning (com letras em néon) e Something to Tell You de Hanif Kureishi (imitando aqueles abecedários eróticos em que cada letra é feita de corpos entrelaçados). Maps and Legends de Michael Chabon, com capa de Jordan Crane (com um navio em águas revoltas ultrapassando paisagens oníricas) tem um intrincado design de três sobrecapas superpostas, que podem ser examinadas aqui: http://bit.ly/9GIOJj.

Uma idéia excelente é a que foi empregada na capa de A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, um clássico de Walter Benjamin: a lombada de vários exemplares do próprio livro, lado a lado, verticalmente, como que numa estante. O livro multiplica-se a si mesmo, capa e lombada se confundem, comentando numa espécie de meta-linguagem a teoria de Benjamin sobre os novos conceitos de arte e cultura na época da produção industrial. Um clássico da ficção científica, Make Room! Make Room! de Harry Harrison (algo como “Mais espaço! Chega pra lá!”), tem por tema a superpopulação nas grandes metrópoles, e usa uma imagem perpendicular de Manhattan, de cima para baixo, em que os arranha-céus parecem expandir-se em todas as direções. Capas que parecem, também, expandir os respectivos livros em todas as direções.

1809) Segunda Divisão (26.12.2008)



As rodadas finais do Campeonato Brasileiro, merecidamente ganho pelo São Paulo, trouxeram choro e ranger de dentes a muitas torcidas. Todo ano cai um time grande. Ano passado foi o Corinthians, este ano foi o Vasco. A imprensa trata essas quedas como se fossem o fim do mundo. Existe um prazer sádico nos jornalistas em rodar nas mesas-redondas a faca que o campeonato empurrou. Não basta a derrota, o rebaixamento e a perda financeira resultante. É preciso pisar e repisar o desespero, clamar aos céus, fazer uma caça-às-bruxas em busca de culpados. Eu gosto de ver a cara hipócrita dos comentaristas na TV, olhando para a câmara e dizendo; “Porque um clube como o Vasco, com a tradição do Vasco, as glórias do Vasco...” Na hora do comercial, aposto que prorrompem em gargalhadas escarninhas.

Eu me lembro de um tempo em que time grande não caía. Dava-se um jeito! Em 1991 caiu o Grêmio. No ano seguinte, a CBF deu um jeito de subir para a Série A doze clubes, em vez de quatro, e o Grêmio retornou. O Fluminense também caiu, em 1996; conseguiu com a CBF uma “virada de tapete”. Em 1997 caiu de novo, e desta vez não teve jeito. Em 98, em vez de subir ou pelo menos ficar na Segundona, caiu para a Série C. Foi campeão, e depois houve um “convite” para que ele participasse da Taça João Havelange, que substituiu em 2000 o Campeonato Brasileiro. Convidado de volta à festa, o tricolor se fez de doido e não saiu mais.

Nos últimos anos tem havido uma certa moralização nessa bagunça. Quem cai, cai, e estamos conversados. Caiu Botafogo, caiu Palmeiras, caiu Atlético Mineiro. Nenhum deles foi à falência, pelo contrário. Aproveitaram a passagem pela Série B para recompor a equipe e se classificar de volta, o que não é nenhum mistério, porque na Segunda Divisão acabam enfrentando uma porção de equipes de menor tradição e de finanças ainda mais precárias do que as suas. Vejam o que fez o Corinthians este ano.

Cair para a Segundona é como, para um estudante, ser reprovado no fim do ano. Das duas uma: ou ele resolve cair na real e arregimentar todas as suas forças para decolar no ano seguinte, ou então afunda na areia-movediça da própria incompetência. Quem melhor compreende isto são as torcidas. Já ficou demonstrado em muitos exemplos recentes (Atlético Mineiro, Botafogo, Grêmio, Corinthians, etc.) que os primeiros jogos de um time pela Série B costumam ter um público muito maior do que os do ano anterior, quando ele estava na Primeira Divisão. A torcida entende. Em vez de fugir da raia, sabe que o momento é grave, e comparece.

Os leitores desta coluna sabem que torço pelo Treze e pelo Flamengo do Rio. Coisa curiosa: a Série B de 2009 vai ter a presença de dois dos meus adversários mais tradicionais, o Campinense e o Vasco da Gama. Torci de leve, com diplomacia, pela subida do Campinense, por ser um time da Paraíba. E também torci para que o Vasco não caísse. Neste último caso não adiantou (acho que faltou entusiasmo).