domingo, 17 de outubro de 2010

2376) Drummond: mais “Lanterna Mágica” (17.10.2010)



(Itabira, MG)

Nos oito poemas curtos de “Lanterna Mágica” (em Alguma Poesia, seu livro de estreia de 1930), Carlos Drummond, como um turista dos anos 1920 que chega de viagem, usa essa engenhoca-de-época para projetar na parede imagens coloridas dos lugares por onde andou. O terceiro poema, “Caetés”, é uma minúscula vinheta de cinco linhas, meio irrelevante, na qual ele inclusive repete praticamente a mesma imagem que usara no poema anterior, sobre Sabará, ao dizer: “A igreja de costas para o trem”. (Em Sabará, é a cidade que está “atrás daquele morro, com vergonha do trem”, e “só as torres pontudas das igrejas não brincam de esconder”).

O poema IV, Itabira, promete pelo título autobiográfico algum tipo de epifania pessoal, mas é seco como uma foto em preto-e-branco: “Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê. / Na cidade toda de ferro / as ferraduras batem como sinos. / Os meninos seguem para a escola. / Os homens olham para o chão. / Os ingleses compram a mina. / Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável”. Este poema é uma espécie de anotação para o que é talvez o primeiro grande poema de CDA sobre sua terra natal, “Confidência do Itabirano” (em “Sentimento do Mundo”).

O poema V, “São João Del-Rei”, volta a evocar o onipresente trem, ao se abrir com a pergunta: “Quem foi que apitou? / Deixa dormir o Aleijadinho coitadinho”. Mais uma vez Drummond fotografa a imobilidade das cidadezinhas mineiras: enquanto Sabará era “entrevada”, São João Del-Rei é “paralítica”. Lá, “o Rio das Velhas lambe as casas velhas”; aqui, as ruas estão “cheias de mulas-sem-cabeça / correndo para o Rio das Mortes”. Embora a intenção do poeta pareça ser (como a de qualquer turista que fotografa) registrar o que mais lhe chama a atenção em qualquer paisagem, captar o que lhe parece mais único e mais característico, vê-se que acaba registrando sempre as mesmas coisas. As cidades de Minas lhe parecem todas parecidas.

Meu fragmento preferido neste poema-conjunto é o de número VI, “Nova Friburgo”. Consta de apenas uma frase: “Esqueci um ramo de flores no sobretudo”. Isto é tudo que o poeta anota sobre a cidadezinha fluminense. Esta frase me marca de um modo especial porque o Padre Massote, diretor da Escola Superior de Cinema da UCMG, onde estudei, certa vez a citou erradamente numa aula sobre roteirização. Disse ele: “Às vezes uma única imagem é o bastante para captar o espírito de um ambiente. Drummond tem um poema sobre Nova Friburgo que tem apenas uma frase: ‘Um cravo na lapela’”. O fato de Massote confundir as frases é menos importante do que o fato de as duas frases terem uma certa equivalência simbólica ou poética. Tanto o ramo de flores no sobretudo quanto o cravo na lapela parecem evocar um ambiente de uma certa formalidade no trajar, de um certo cavalheirismo meio fora de moda, de uma certa afetividade reprimida. E a lição dele, via Drummond, estava coberta de razão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Geraldo Anízio

OLá Bráulio, eu sou Geraldo Anízio de Caicó, mas moro em RondÔnia. Assisti vários documentárisos com você, ótimos. Ultimamente assisti no Sem Sensura Você, Elba e Geraldo Azevedo. Gostaria de saber se você considera o Cordel como literatura?. Sou cordelista, tenho vários trabalhos publicados aqui em Rondônia. O Dr. Agnaldo professor da USP, disse na minha cara que o Cordel era apenas um escrito. Gostaria de saber sua crítica sobre o Cordel como literatura ou escrito da forma como ele cuspiu.Gostaria também se possível no nome da música que você cantarolara no Sem Sensura que a Elba não soube a letra de memória.
Obrigado ao amigo.
Abraço
Geraldo de Caicó
Meu e-mail: geraldo_anizio@hotmail.com e meu blog geraldoanizio.zip.net

Braulio Tavares disse...

Geraldo, o cordel é literatura, sim, assim como o romance é literatura, a poesia é literatura, e assim por diante. O problema com alguns críticos e professores é que: 1) eles só chamam de literatura a literatura de alto nível artístico (portanto, a obra de Balzac é literatura, mas de um escritor medíocre não é); 2) eles acham que todo folheto de cordel é mal escrito e portanto não é literatura (outro engano: há folhetos bem escritos e folhetos mal escritos. Qualquer aficionado do cordel sabe indicar quando um folheto é bom e quando é ruim. Claro que os julgamentos não coincidem, como também não coincidem na literatura erudita. Mas cordel é literatura, sim.