sexta-feira, 23 de julho de 2010

2296) A máquina e a droga (17.7.2010)




Podemos dizer que existe gente viciada em computador do mesmo jeito que falamos em gente viciada em cocaína? Será que o uso compulsivo do automóvel tem algo a ver com o uso compulsivo do cigarro? A necessidade de ter uma televisão ligada o tempo todo dentro de casa pode ser comparada à necessidade de tomar um drinque a toda hora? 

Pergunto porque estes são comportamentos que observo o tempo inteiro nos outros ou em mim, e os observo sem preconceito ou repulsa, apenas constato que para certas pessoas algumas das coisas acima são imprescindíveis, e para outras não.

George Orwell afirmou certa vez: 

“As máquinas têm que ser aceitas, mas provavelmente é melhor aceitá-las do mesmo modo como aceitamos um remédio, ou seja, resmungando, e com alguma desconfiança. Assim como um remédio, uma máquina é uma coisa útil, mas é perigosa, e tende a estabelecer uma dependência. Quanto mais vezes recorremos a elas maior o poder que adquirem sobre nós”. 

Tudo que se torna indispensável é perigoso.

O celular, por exemplo, este bravo símbolo do século 21, tornou-se indispensável para muita gente – para mim, pelo menos, que tanto relutei em comprar um. Não adianta vir alguém me dizer: “Ora, e como você resolvia as coisas quando não existia celular?”. É uma pergunta sem sentido. É o mesmo que eu dizer que sou feliz sendo adulto e alguém perguntar se não era feliz quando vivia de fraldas dentro de um berço. Provavelmente era, mas nem por todo o Leite Ninho do mundo eu trocaria minha vida atual por aquela. 

As verdadeiras transformações são irreversíveis. Morreu. Cabô. Aquele tempo, tchau. Sem celular eu sou apenas um ser unicelular, uma ameba abobalhada e muda.

A distinção entre dependência-da-máquina e dependência-da-droga é acima de tudo de ordem moral. Irritamo-nos com quem depende da Internet, do carro, do telefone; mas não sentimos uma repulsa instintiva por essas pessoas. Por outro lado, quando ficamos sabendo que Fulano de Tal usa drogas continuamente, várias vezes por dia, e se ficar sem usá-las perde o controle, não apenas nos preocupamos pela sorte de Fulano, mas passamos a vê-lo como alguém inferior, corrompido, digno não só de pena mas também de desprezo. 

Talvez porque a droga esteja historicamente associada ao submundo, exploração de pessoas indefesas, chantagens obrigando os viciados a cometer atos inomináveis para obter a próxima dose. 

Como a tecnologia de celulares e internets não apenas não é proibida, mas é fortemente incentivada (eu quase diria: imposta goela abaixo), fica mais fácil passar a mão na cabeça dos que pela manhã ligam o computador antes mesmo de escovar os dentes.

A diferença principal é que a droga produz dependência psicológica ou química, e as máquinas produzem dependência psicológica e social. Criamos uma nova forma de conviver através das máquinas e por alguma razão ela nos satisfaz a ponto de não podermos mais conviver sem elas.






2 comentários:

Gugagumma disse...

A questão é: as pessoas viciadas em internet e automóveis, quando ficam sem seus vícios, perdem o controle? Resposta: elas não ficam sem seus vícios...

Braulio Tavares disse...

Pois quando tem um problema aqui no bairro e eu fico sem conexão, me sinto como aquele personagem de Guimarães Rosa que fica cego de repente durante um passeio no mato.