domingo, 18 de julho de 2010

2279) As tartarugas telepáticas (27.6.2010)



Numa época remota (e bota remota nisso) o Cosmos era a carapaça de uma imensa tartaruga. Tão imensa era a condenada que olhávamos em 360 graus à volta do horizonte e não a víamos. Como o ser humano só captura o que a sua antena captar, a Tartaruga era tida como inexistente. (Modo inadequado de exprimir a situação. Melhor dizer: Não passava pela cabeça de ninguém que o mundo fosse o casco de uma tartaruga.) Mas era. Não havia ainda o “silêncio eterno dos espaços infinitos” que amedrontava Blaise Pascal. Tudo que conhecemos, o Sol, a Lua, a Terra, as Constelações, acomodava-se sabe Deus como naquele casco hospitaleiro, e vamos em frente. Como o casco é arredondado, cabia ali uma reprodução bidimensional da Esfera Armilar do Cosmos; como é abaulado ou convexo, cabiam ali inclusive umas duas páginas e meia da Teoria da Relatividade de Einstein e sua sugestão da existência de um espaço curvo. Beleza.

Ora, tartarugas têm cérebro, tanto quanto os caranguejos do mangue recifense. Se admitimos a ideia de Gaia, do planeta Terra consciente de si mesmo, por que recusaríamos a hipótese de um Cosmos lúcido? A Tartaruga do Mundo põe-se a pensar: “Muito bem, o mundo inteiro repousa sobre o meu casco, mas, eu mesma, repouso onde?...” O Cosmos, por lúcido que é, espia para baixo de si para ver onde repousa. Não sei o que viu; sei o que dizem os pergaminhos antigos. E dizem eles que a Tartaruga do Mundo repousa sobre o casco de outra Tartaruga, maior ainda.

Assimilaram, amigos, o terror desta descoberta? Quando postulamos que o Cosmos é uma Tartaruga, a proposta pode ser absurda, mas fica por aí mesmo, a gente empaca num beco sem saída. Porém no momento em que postulamos uma segunda tartaruga, o gene matemático em nós dá início ao processo reiterativo que às vezes é chamado Infinito (“e depois desta segunda uma terceira, e depois dessa terceira uma quarta...”), e às vezes é chamado Loucura.

Felicidade nossa que as Tartarugas do Cosmos são telepáticas. Destarte, a tartaruga número 1 pode se comunicar instantaneamente, de modo não-linear, com qualquer outra, seja a Tartaruga 12, a Tartaruga 35, a Tartaruga 222.111 ou não importa qual. E diz ela: “Meninas, tô com uma situação aqui. Os meus humanos estão meio abismados com esse Universo baseado, se bem me exprimo, numa proliferação concêntrica de quelônios, numa quantidade que bota Fernando de Noronha no chinelo. Não é por nada não, mas será que a gente não podia propor, telepaticamente, é claro, uma planta-baixa do Cosmos menos figurativa? Sabe como é, do século 20 em diante eles se tornaram mais abstracionistas, mais mondrianescos. Se a gente sugerir outro modelo pode ser que isto os sossegue”. Seguiram-se milênios (em tempo tartarugal) de debates e mesas-redondas, até que a Tartaruga 802.701 sugeriu: “Por que não sugerir telepaticamente a eles que o universo é composto, em níveis alternados, de ondas e de partículas?...” Assim foi feito; e fez-se a Luz.

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