domingo, 18 de julho de 2010

2277) George Orwell e o futebol (25.6.2010)



(foto: Laurence Griffiths)

Em tempo de Copa do Mundo, talvez valha a pena refletir sobre a impressão que essas disputas internacionais de futebol já causaram. Em dezembro de 1945 George Orwell publicou no jornal Tribune um artigo intitulado “The Sporting Spirit” em que comentava com azedume a visita do Dínamo de Kiev à Inglaterra para disputar alguns jogos amistosos, talvez como parte da política de boa vizinhança que Churchill e Stálin tentaram manter por algum tempo depois de derrotarem o nazismo. Se era esta a intenção, diz Orwell, eles podiam tirar os respectivos cavalinhos da chuva: “O esporte disputado pra valer não tem nada a ver com ‘fair play’; ele se alimenta de ódio, ciúme, jactância, desprezo pelas regras e o prazer sádico em observar atos de violência. Em outras palavras, é uma guerra sem armas de fogo”.

Ainda estava viva na memória de Orwell a maneira como Hitler tentou capitalizar politicamente as Olimpíadas de 1936, e ele via na utilização do esporte no mundo moderno uma manipulação cínica e deliberada de alguns dos piores sentimentos: “Na Inglaterra e nos EUA o esporte se tornou uma atividade de pesados investimentos financeiros, capaz de atrair enormes multidões e de despertar paixões selvagens, e essa infecção se alastrou de país em país. E foi nos esportes mais violentos e combativos, o futebol e o boxe, que ela mais se espalhou. Não há dúvida de que tudo isto está ligado à ascensão do nacionalismo, ou seja, este lunático hábito moderno de alguém se identificar com grandes estruturas de poder, e passar a enxergar todas as coisas do ponto de vista do prestígio competitivo”.

Estas reflexões são interessantes, de um lado, por revelar o pessimismo de um escritor e de um povo que mal tinham saído de uma das maiores catástrofes guerreiras que a humanidade já viu. E por outro lado nos levam a pensar que Orwell nesse momento estava iniciando a composição de seu último e melhor livro, 1984, que foi publicado em 1948. Li este livro há muito tempo e não me lembro se ele inclui o esporte entre as formas de manipulação totalitária do Big Brother. (Em todo caso, em 1975 Georges Perec publicou W, ou A Memória da Infância, uma aterradora parábola kafkeana sobre a utilização de esportes olímpicos como sustentáculo do fascismo.)

Orwell diz: “O mais significativo disso tudo nem é o comportamento dos jogadores, mas o da torcida, e, para além da torcida, das nações que se deixam tomar de fúria por causa dessa disputas sem sentido, e acreditam seriamente – durante um certo tempo, pelo menos – que correr, pular e dar chutes numa bola são testes das virtudes de uma nação”. O escritor talvez se decepcionasse ainda mais, se visse as somas fabulosas movimentadas pelo futebol de 2010, comparadas às de 1945. O lado positivo é o fato de que o esporte deixou de servir à guerra, à belicosidade, e hoje serve ao comércio e ao consumismo. Mas não sei se isso adoçaria a boca de um indivíduo lúcido e amargo como Orwell.

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