sexta-feira, 2 de julho de 2010

2222) Bolando um comercial (22.4.2010)



Raimundo era diretor de criação de uma agência de publicidade. Chegou-lhe às mãos um cliente, Seu Alfredo, em busca de um bom comercial de TV. Seu Alfredo era dono de uma loja revendedora de ferragens que recentemente tinha se expandido para absorver todo tipo de equipamento elétrico: serras, grampeadores industriais, máquinas de aplicar rebites, limas elétricas, soldadoras, enfim, tudo que funcionasse eletricamente e que fosse voltada para a manipulação de placas e máquinas de metal. Seu Alfredo gastou pesado na aquisição das lojas de um concorrente, e sentiu que era preciso investir também na publicidade, porque precisava de altos retornos dentro dos doze meses seguintes. Ele se reuniu com Raimundo e passou-lhe todas as informações. O publicitário pediu-lhe um prazo para apresentar o projeto. Algum tempo depois Seu Alfredo foi chamado à agência, e Raimundo abriu à sua frente um gigantesco storyboard.

“Vai ser um balé”, disse ele. “Uma estrutura metálica suspensa no ar, com vigas de ferro se entrecruzando, e quinze dançarinos executando essa coreografia... começa aqui... vem assim... se cruza aqui, depois ali... Eu sei que o sr. vai perceber, mas, para poupar tempo: é o movimento dos elétrons num átomo de ferro”. “Um átomo de ferro,” repetiu Seu Alfredo, olhando o desenho das dançarinas com “collants” metálicos, seios pontiagudos e coques futuristas no cabelo. “O ferro e a eletricidade são os conceitos básicos”, concordou Raimundo, tamborilando com o lápis no queixo. “Isso exprime ao mesmo tempo modernidade e tradição, porque ambos são a base da ciência do século 19, e ao mesmo tempo estão presentes em tudo no século 21”. “Pois é,” disse Seu Alfredo, espreitando as folhas de baixo, “já pensou?!”.

“Note que todas as bailarinas são mulheres”, continuou Raimundo. “O contraste entre Eros e Tecnologia, Afrodite e Vulcano”. Seu Alfredo criou coragem e perguntou: “Não dá pra ter uma foto da loja?...” “Pensei nisto”, disse Raimundo, “mas escolhemos privilegiar o impacto estético.” “E essas vigas de ferro?...” perguntou timidamente o comerciante. “Tudo virtual. Computação gráfica, feita aqui mesmo. Ninguém nunca fez um comercial destas dimensões na Paraíba”. “Que bom,” murmurou Seu Alfredo. “Mas vai ser um balé? Esse negócio de música clássica não é fora de moda?...” “Quem falou em música clássica?! Vai ser um rock!” Raimundo apertou um botão e das caixas de som brotou um rangido de guitarras que lembrava um duelo de esgrima entre serras elétricas texanas. “Heavy metal. Entendeu – a alusão?…”

Meia hora depois Seu Alfredo saiu, levando na pasta três páginas de orçamento e pelo menos um mês de insônia pela frente, e uma admiração desmedida pela época cosmopolita em que tinha o privilégio de estar vivendo. Raimundo enxugou o suor da testa. Tinha conseguido, numa só tacada, encomendas para a firma de computação gráfica do sobrinho, o balé da cunhada e a banda de rock do filho. Ufa!

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