sexta-feira, 2 de julho de 2010

2221) Neymar (21.4.2010)



Dias atrás fiz nesta coluna uma porção de rapapés diante das chuteiras de Lionel Messi, o craque argentino que joga no Barcelona. Meu senso de equilíbrio me obriga a fazer o mesmo, agora, diante das chuteiras coloridas (e cheias de chinfra) de Neymar, o craque adolescente do Santos. Não só por equilíbrio, mas por patriotismo, porque eu, curiosamente, só concebo a Pátria como algo que calça chuteiras. Não existe melhor expressão do Brasil do que os nossos defeitos e virtudes na prática do futebol. Mais do que a literatura, o cinema ou a música, é ele quem nos descreve e nos revela de maneira mais imediata e não negociada pela Razão.

A Razão, que nunca dá o braço a torcer, me traz pela mão até este teclado, dizendo-me: “Está na hora de escrever sobre Neymar, você é o único cronista do Brasil que ainda não falou dele”. Neymar e o Santos são hoje, por uma espécie de consenso, o melhor jogador e o melhor time do Brasil. Domingo passado o Santos eliminou o poderoso São Paulo numa das semifinais do Campeonato Paulista: aplicou-lhe 3x2 no Morumbi e 3x0 na Vila Belmiro. Só uma catástrofe lhe tirará o título, a ser disputado contra o Santo André.

O Santos é um time que dá alegria ver jogar. Como o Barcelona de Messi e a Holanda da Copa de 1974, é um time de jogadores rápidos, leves, habilidosos, que raciocinam em frações de segundo e quase invariavelmente escolhem a melhor jogada a fazer sem precisar ficar pensando. O futebol de hoje é cheio de jogadores que, quando recebem um passe perto da área, iniciam uma sessão de Meditação Transcendental. Concentram-se, começam a rodar como dervixes, fecham os olhos, avaliam as mil possibilidades do que fazer. Nisto, algum jogador do Santos já lhes roubou a bola com asas de beija-flor, e Neymar já a empurrou para o fundo das redes.

Neymar vai ser convocado para a Seleção? É o que a imprensa pergunta, e eu ouso responder que não. Por mim, iria, mas Dunga é um prussiano da velha guarda. Não direi que tem raiva do talento, mas ele segue a filosofia de que talento é como ar, só tem poder de empuxo se for comprimido. Neymar é enjoado, encardido, usa um cabelo moicano horroroso, faz dancinhas bestas a cada gol que marca, é catimbeiro, arengueiro, gosta de fingir pênaltis, de provocar o adversário. Ou seja, na alfândega de Dunga ele teria todo o seu repertório confiscado.

Dunga deveria convocá-lo, levá-lo à Copa e mantê-lo sob vigilância e custódia, para aparar as arestas do garoto, fazê-lo sentir o peso de uma disputa internacional. Dar-lhe o que Ronaldo Fenômeno teve em 1994, e Kaká teve em 2002: a chance de assistir uma Copa do banco de reservas, pensando: “Daqui a quatro anos estarei em campo”. Dunga dificilmente fará isso, o que é uma pena. O melhor jogador brasileiro de hoje só deverá estrear numa Copa do Mundo em 2014. Até lá pode explodir na Europa; pode também se perder, como tantos talentos iguais já se perderam, neste país carente de heróis e perdulário de talentos.

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