quarta-feira, 30 de junho de 2010

2209) A árvore, o filho e o livro (7.4.2010)



“Todo homem”, dizem, “deveria realizar três coisas antes de morrer: plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro”. Parece que o intuito dessa frase é louvar o sentido de permanência e perpetuidade após a morte. Depois de fazer essas três coisas, o sujeito pode morrer em paz, porque deixa três símbolos concretos de sua passagem pela terra. A árvore, o filho e o livro lhe sobrevivem e prolongam sua existência por mais algumas décadas (no caso do filho) e no caso da árvore e do livro, quem sabe? Até por alguns séculos.

Outra interpretação diz que isso nada tem a ver com prolongar a vida. Tem a ver com a educação do sujeito enquanto está vivo. A árvore, por exemplo. O ato de plantar uma árvore muda se dissermos: “Plantar uma árvore e responsabilizar-se pelo seu crescimento”. Árvore demora muito para crescer, dependendo da espécie. Algumas levam séculos. Plantar uma árvore não é apenas, como fazem os políticos no Dia do Meio Ambiente, cavar um buraco e jogar uma semente. É continuar vida afora ali do lado, esperando a folhinha verde apontar, esperando o caulezinho, esperando que a árvore vá ganhando corpo, elevando-se, ficando mais firme, mais rija, capaz de aguentar o vento, capaz depois de aguentar o esbarrão de um bêbo. Capaz de crescer e por fim dar sombra, dar frutos, fornecer o galho para alguém armar um balanço... Não é só plantar a árvore. É esperar que ela fique forte, cuidando dela.

Mesma coisa com os filhos, não é mesmo? Fazer um filho qualquer sujeito distraído faz, em muitos casos sem nem saber que está fazendo. Só se toca disso um mês depois, quando a garota liga aperreada para ele: “Não veio ainda...” Fazer um filho é fazê-lo ao longo da primeira infância, da segunda, da adolescência, da juventude, da vida adulta. E isso não acaba nunca, porque a verdade dos fatos é que mesmo quando a gente está senil e os filhos estão de barbas grisalhas, já pais de uma numerosa família, continuamos tendo motivos para puxar-lhes as orelhas, dar-lhes um carão de vez em quando, obrigá-los a fazer correções de rumo... Ou mesmo, invertendo o processo, responder às dúvidas que nos trazem, dar palpites nos problemas que atravessam. Não, nunca se pode dizer, como na música de Gordurinha: “os meninos ‘tão criados, satisfiz o meu desejo...” Nunca estão. Por definição, nunca poderão estar.

E o livro, esse então nem se fala. Muito escritor pensa que se livrou do livro no instante em que escreveu “FIM”. Ledo engano, ilusão trêda. Aí é que começam os trabalhos, os labores. E não me refiro apenas à publicação. Quando se diz que todo homem deveria escrever um livro antes de morrer, é para que ele saiba que vai ter que responder por esse livro a vida toda, aguentar as críticas, aguentar os elogios (às vezes são mais problemáticos e comprometedores do que as críticas). Ajudar o livro a crescer, e crescer ele próprio em volta desse livro, sabendo que agora é impossível mudá-lo.

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