sexta-feira, 18 de junho de 2010

2164) Heróis em três tempos (13.2.2010)



No tempo pós-II-Guerra-Mundial, surgiram livros, filmes e músicas enaltecendo um novo tipo de heróis. Filhos rebeldes que desafiavam os pais. Moças que entregavam sua virgindade a quem bem entendiam. Jovens que questionavam os professores, eram expulsos da escola, fugiam de casa. Hordas de jovens que preferiam idolatrar um músico negro do que um político branco. Hordas que se entregavam a uma música dissonante, eletrificada, selvagem, sacudindo os corpos como se estivessem sendo possuídos por espíritos bestiais. Multidões de jovens tirando a roupa, rolando na lama, e dizendo que aquilo era a liberdade. O cinema e a literatura exaltavam esses personagens como “os jovens de hoje, que estão criando o mundo do futuro”. Os adultos se indignavam: como era possível? Que futuro era esse, que essa “juventude transviada” iria criar?

Passou-se o tempo. Os jovens cresceram, casaram, tiveram filhos, ficaram grisalhos. E o cinema e a literatura começaram a retratar e glamourizar outro tipo de heróis: jovens que se drogavam abertamente, que traficavam drogas abertamente, e diziam estar curtindo a vida. Rapazes e moças que assumiam em público que eram homossexuais, que se orgulhavam disso, e exigiam ser tratados como quaisquer outros cidadãos. Epidemias sexuais se alastravam – e suas vítimas, em vez de párias, eram tratadas como heróis. Usar drogas e fazer orgias sexuais eram sinônimo de ser moderno. Os pais reagiam, dizendo que aquilo era o fim do mundo, e os jovens retrucavam: “Nós somos livres, nós temos o direito de ser abertamente isso que somos, ninguém tem o direito de nos reprimir”.

Cinquenta anos atrás, usar drogas era um crime; hoje é um hábito tão impregnado na sociedade que muita gente começa a pedir que seja descriminalizado, e em seguida normatizado pela legislação. Ser homossexual era uma doença e um vício: hoje é uma opção sexual tão legítima quanto qualquer outra, e quem a pratica não vê motivo para se envergonhar do que é. Casamentos interraciais, que já foram considerados uma ofensa aos bons costumes, hoje são encorajados.

Isso é um tema que de vez em quando ressurge na conversa de pessoas da minha geração. Nossos avós se horrorizariam se vissem que certas coisas abominadas por eles são tidas como naturais e corretas hoje em dia. Será que nossos netos viverão num mundo que nós, os liberais de hoje, rejeitaríamos com terror e repulsa? Será que algumas práticas (nem quero imaginar quais!) que hoje consideramos moralmente condenáveis (quando não bestiais ou desumanas) virão a ser assimiladas pela moral de, digamos, 2050? Quem serão os heróis endeusados pela literatura e pelo cinema dessa época? Quais os vilões de 2010 que passarão então a ser heróis, e virarão símbolos do inconformismo e da liberdade individual? Será que nossos netos lerão estes nossos temores, e sorrirão com piedade, pensando o quanto éramos ingênuos, o quanto éramos frágeis e bobinhos?

2 comentários:

Félix Maranganha disse...

Talvez o que o caro tenha esquecido seja o fato de que os costumes e a moral não se "abrem", mas apenas mudam. Tanto que coisas que eram normais e moralmente aceitas no tempo de nossos avós, como o racismo, o machismo e o deserção dos filhos pelos pais que se envergonhassem deles faziam parte do mundo 50 anos atrás(kantianamente são tão imorais quanto quaisquer outras coisas prejudiciais que nossos netos venham a fazer).

Por outro lado, nossos netos podem ver como imorais coisas que fazemos, e nós podemos ver como imorais coisas que eles fazem. É um círculo vicioso e eterno que existirá até que a humanidade se extinga.

Mas adorei o texto. Infelizmente, dessa vez não tenho mais turmas para dar aulas para que eu possa usá-lo, mas é uma idéia inclusive muito interessante a se levar em conta quando pensamos sobre a moral de gerações distintas.

Braulio Tavares disse...

Tem toda a razão. Não se pode dizer que a humanidade evolui ou involui, porque cada setor está indo ou pra frente ou pra trás. Mas fico imaginando (obrigação de escritor futurista) um futuro horripilante em que a sociedade endeuse serial-killers, pedófilos e ditadores.