sábado, 12 de junho de 2010

2141) Ghiggia (17.1.2010)



Em dezembro passado um herói foi conduzido ao Maracanã para receber uma homenagem. Era o ponta-direita Ghiggia, da Seleção Uruguaia de 1950, autor do gol que tirou do Brasil a Copa do Mundo daquele ano. Houve quem metesse os pés e protestasse. Como assim, homenagear o cara que naufragou nosso maior sonho? Homenagear o carrasco, o inimigo? Para muitos essa ferida ainda não sarou. Há torcedores que estavam naquele Estádio, que lembram o chute cruzado da quina da área, o salto em vão de Barbosa, o “silêncio que pesava mais do que as toneladas de concreto do maior estádio do mundo”.

Visto nas fotos recentes, Ghiggia não parecia carrasco, e sim um velhinho meio assustado com a proporção que coisa ia tomando. Com 83 anos, já havia recebido todas as homenagens possíveis em seu país. Deve ter sido com alguma surpresa que recebeu agora essa proposta, e veio deixar seus pés impressos na calçada da fama do estádio que silenciou. Nada mais justo, não é, pessoal? Ghiggia não queria fazer mal nenhum ao nosso povo, queria apenas ganhar um jogo de futebol. Oito anos depois daquilo, o Brasil fez a mesmíssima coisa em Estocolmo, e com maior gravidade: tirou a única chance de ganhar uma Copa que os suecos já tiveram. E nem por isso eles nos trataram como carrascos.

Num artigo no Estadão, disse Ugo Giorgetti:

“Contrariando a crença atual de que adversários são inimigos a serem trucidados, e que só importa vencer, Ghiggia, o algoz do Brasil na pior derrota de sua história, foi homenageado e teve seus pés moldados na calçada da fama do nosso maior estádio. Foi uma ocasião em que pudemos demonstrar o quanto ainda não perdemos totalmente os vínculos com a civilização que, aliás, nos permitiu, na época, perder em nossa própria casa sem que os adversários se sentissem ameaçados ou desrespeitados. A atitude do povo brasileiro na derrota para o Uruguai em 1950 fez mais para o prestígio internacional do Brasil que algumas vitórias que conseguiríamos depois.”

É belo homenagear um adversário que nos infligiu, na bola, uma derrota dolorosa e incurável. A homenagem a quem nos derrotou limpamente é um sinal de que o esporte ainda não foi eliminado totalmente da prática do futebol atual. O que há a lamentar é que saibamos tratar com tal cavalheirismo os vencedores, mas sejamos impiedosos com os vencidos. O goleiro Barbosa passou o resto da vida pagando, a juros compostos, as prestações inacabáveis daquele gol. O lateral Bigode, que teria “amarelado”, foi transformado em objeto de ridículo. E o zagueiro Juvenal, último sobrevivente do nosso time, foi enterrado há dois meses (segundo Ruy Castro) “no cemitério de Camaçari, em Salvador, na presença de meia dúzia. Tinha 86 anos, dos quais os últimos foram muito tristes: pobre, quase esquecido, numa casinha de 10 m2, sem poder andar, com artrose nos joelhos e quadris, e ligado ao mundo apenas por um rádio.” Sabemos perdoar os nossos carrascos, mas não temos piedade das nossas vítimas.

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