quinta-feira, 10 de junho de 2010

2134) Fábio Peixe (9.1.2010)



Somente agora, durante as formalidades do velório, vi o nome civil e completo de Fábio Peixe, que aliás já me fugiu de novo da memória. O nome que nos fica das pessoas é o nome da convivência, não o dos documentos, e a imagem que nos fica é a dos momentos que compartilhamos. Uma imagem que não se deixa contaminar pelas imagens que outras pessoas possam ter. Cada pessoa é única, na memória de cada um que a conhece. Não há duas pessoas no mundo que tenham as mesmas vivências, as mesmas informações, as mesmas lembranças sobre mim, sobre você.

Minhas lembranças de Fábio são de momentos de muita cerveja, risadas e falatório, portanto, quem sou eu para compará-las com as lembranças infinitamente mais complexas da família, dos amigos próximos. Nossos encontros se deram sempre meio por acaso, num restaurante, num bar, na casa de um amigo comum. A lembrança que guardo é de um divertimento constante pela companhia de um “caba bom”, que bebia, fumava, dava gargalhadas, falava palavrão, e (o que era mais importante para mim) contava histórias de si mesmo que eu achava inacreditáveis e sabia serem verdadeiras.

Fábio Peixe vivia num universo paralelo ao meu, um universo que nunca frequentei mas que vislumbro ao longe: o universo de inúmeros amigos meus que se formaram em Engenharia e partiram para a contraditória tarefa de destruir um mundo e construir outro em seu lugar. Um escritor é um sujeito que inventa problemas imaginários; um engenheiro é um cara que resolve problemas reais. Fábio contava histórias de-cair-o-queixo sobre suas aventuras no Iraque, no Haiti, em Angola, na Mauritânia, no Peru e em outros lugares de difícil acesso. Viajava cheio de entusiasmo para lugares cujo nome não sei sequer soletrar. Trabalhava no sol e na chuva ao lado dos peões. Era do tipo que quando dizia algo como “é preciso levar essas toras de madeira pra cima daquele morro”, era o primeiro a botar uma nas costas e subir a ladeira, e diante de um chefe assim o peão não tem remédio senão fazer o mesmo. Não era de dar ordens e ficar na sombra, de braços cruzados. Pegava no pesado como qualquer outro, dava o exemplo, e nas horas de folga ia conversar na tenda com os peões, comer o que eles comiam, beber o que eles bebiam.

Testemunhei essas cenas? Foram contadas por ele, para “se amostrar”? Não, foram contadas por quem o conhecia melhor do que eu, e acreditei no ato, porque batia com tudo o mais que ele demonstrava, o jeito cru e direto de dizer o que pensava, a gargalhada boa e contagiante, o linguajar desbocado e verdadeiro. Há pessoas tão resistentes que acabam se achando indestrutíveis. Há pessoas que vivem o momento presente com tanta força que não admitem a possibilidade dele deixar de existir um dia. Eu continuo agnóstico, mas, por isso mesmo, não descarto a remota possibilidade de existência de um Céu. Não para o homem puro, não para o indivíduo sem defeitos – mas um Céu para o “caba bom”.

2 comentários:

Tucha Porto disse...

Como dizia Vinicius:"há pessoas para quem as palavras são dispensáveis". Fábio Peixe era um destes...Grandes saudades das Grandes farras.

Braulio Tavares disse...

É isso aí, Tucha. FP era uma figura. Ou o que a gente chama às vezes de "um personagem". Tinha um amigo meu que quando via alguém assim falava: "Não é possível, isso não existe, tem uma equipe de malucos escrevendo esse cara". Por aí.