quarta-feira, 9 de junho de 2010

2127) A sanfona de Sivuca (1.1.2010)




(Sivuca, por Leo Martins)

Vi esta história numa crônica de Itamar Assière no Jornal Musical e passo adiante conforme a li. O saudoso Sivuca, como todo mundo sabe, era gente fina, um sujeito de ótimo coração, cordial com todos, paciente com todos, apesar do seu jeitão meio arredio. 

Conta o cronista que certa vez o telefone de Sivuca começou a tocar, e era uma fã querendo propor um negócio a ele. Sua esposa Glorinha transmitiu-lhe o recado: a fã queria vender a sanfona. 

Ora, Sivuca já tinha sanfona para show, para gravação, para tocar em casa... Músicos gostam de ter vários instrumentos, para necessidades diferentes. Tenho amigos que têm meia dúzia de violões em casa: acústico, elétrico, de nylon, de aço, de 6 cordas, de 12, guitarra... Sivuca agradeceu à fã e disse que não precisava.

Ela deu vários telefonemas, insistindo para que o maestro lhe comprasse a sanfona, até que Sivuca cedeu e disse à esposa: 

“Vamos trazê-la aqui, e encerrar essa história. Se a sanfona for boa e valer a pena comprar, eu lhe peço um copo dágua. Se eu não pedir, é sinal para mandá-la embora com a sanfona”. 

A visitante veio no dia combinado, foi recebida na sala, abriu a caixa que trouxera. Sivuca quase caiu para trás ao ver (segundo o artigo) uma sanfona Scandali IV-4S, de “baixo amarelo”, uma preciosidade antiga – e praticamente intacta, inclusive a caixa. A visitante explicou que o pai lhe dera o instrumento quando ela era pequena, querendo que a filha aprendesse. 

“Mas eu não tenho jeito pra tocar”, disse ela, “e queria que a sanfona ficasse com alguém que sabe”. 

Sivuca engoliu em seco e gritou lá pra dentro: “Glorinha, traga um balde dágua, geladíssima, porque eu tô aqui me acabando de sede!!!”.

O remate da história é que a tal senhora, que não era do ramo, pediu um preço muito baixo pelo instrumento. Sivuca explicou que ele valia três vezes mais, e pagou-lhe o preço que considerou justo. 

O episódio é curioso porque ele retrata o sonho dourado de todo colecionador: encontrar um tesouro nas mãos de um vendedor inocente que pede por ele um preço de banana. 

No caso de uma negociação personalizada como essa, e diante de uma pessoa que visivelmente está de boa fé, não há como negar que Sivuca procedeu corretamente, e ainda saiu ganhando. Se encontrasse a sanfona nas mãos de uma “raposa” do ramo, talvez tivesse que pagar o dobro do que acabou pagando.

Uma vez parei numa calçada do Catete e fiquei avaliando os livros espalhados na lona. Examinei alguns (os preços estavam marcados a lápis) e perguntei o preço de um volume em capa dura, que não tinha preço anotado e valeria uns 15 reais. O vendedor olhou para minha roupa, meus sapatos, a pasta que eu segurava, e cobrou 50 reais. 

Agradeci, botei o livro lá e acabei levando outro que estava do lado, por um real. Era uma primeira edição de Os Prisioneiros de Rubem Fonseca, pela qual eu pagaria de bom grado até mais do que 50, se o cara não tivesse bancado o esperto.






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