quarta-feira, 9 de junho de 2010

2126) As catástrofes nos salvarão (31.12.2009)



(H. G. Wells)

O ser humano tem embutidos em si três sistemas. O primeiro é um sistema auto-gratificante, que busca apenas o prazer, o conforto, a comodidade. O segundo é um sistema auto-destrutivo, que nos leva a buscar os limites de algo que está nos atraindo, mesmo que isto nos custe a vida. E o terceiro é um sistema auto-preservador, que nos faz dar um pulo-do-gato quando menos se espera, e reagir diante de uma calamidade com reservas insuspeitadas de seja-lá-qual-for a qualidade de que precisamos para escapar: força, rapidez, inteligência, esperteza, coragem moral, solidariedade coletiva, tudo de que parecíamos ser incapazes. Já aconteceu antes. Acontece o tempo todo. Está acontecendo agora, quando estamos passando do estágio 1 (auto-gratificação) para o 2 (auto-destruição).

Criamos a civilização suicida baseada na Lei do Menor Esforço Físico e Mental. Os automóveis foram inventados para nos dar mais velocidade, para que pudéssemos sair do Sertão de manhãzinha e chegar à praia a tempo para o almoço. Hoje, estamos escravizados a eles a ponto de pegá-los na garagem para ir comprar o pão na padaria da esquina (onde é preciso parar em mão dupla, sair correndo, pegar o pão, apaziguar o guarda). Inventamos um tal de controle remoto para não termos que levantar do sofá. E nos queixamos de varizes, doenças cardiovasculares, obesidade e flatulência.

Fecho com H. G. Wells, quando ele dizia, em A Máquina do Tempo, sobre a indolente e passiva raça dos Elois: “A segurança excessiva em que viviam os habitantes do Mundo Superior os conduzira a um lento processo de degeneração, fazendo com que diminuíssem em tamanho, em força e em inteligência. (...) Pela primeira vez comecei a perceber uma consequência bizarra dos esforços sociais nos quais estamos mergulhados em nossa época. E não obstante é uma consequência bastante lógica. A força é um resultado da necessidade; a segurança conduz ao enfraquecimento. O esforço para melhorar as condições de vida – o verdadeiro processo civilizatório que torna a vida cada vez mais segura – tinha avançado até atingir o clímax. Cada triunfo conjunto da humanidade sobre a Natureza tinha sido logo seguido por outro. Coisas que hoje não passam de sonhos tinham se transformado em projetos que alguém levou a cabo. E o resultado era aquele! (...) Mas com essa mudança de condições vem, inevitavelmente, a necessidade de adaptação às novas condições produzidas pelas mudanças. Qual é, a menos que nossa ciência biológica seja uma montanha de erros, a causa da inteligência e do vigor da raça humana? Uma vida livre enfrentando condições adversas, condições nas quais os indivíduos ativos, fortes e sagazes sobrevivem, e os fracos são condenados; condições que premiam a capacidade dos homens para o esforço conjunto e solidário, além do auto-controle, da paciência, da capacidade de decidir.”

O progresso está nos destruindo, mas as catástrofes nos salvarão.

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