terça-feira, 8 de junho de 2010

2121) Natal 2009 (25.12.2009)



...eis que volta o Natal, com alegria,
como voltam as estações e festas.
As que foram não voltam. Voltam estas.
Inesperadas. Por primeira vez.
Desorganizam tudo em seu talvez,
em seu impulso de dobrar esquinas.
Nem o recurso de tombar ruínas
cancela a cachoeira dos minutos
que se dissolvem, soltos, dissolutos,
na volúpia gozosa de extinguir-se.

Romper por quê, o encanto desta circe,
se a prisão do prazer nos reconforta?
Se a masmorra tem luz, que se abra a porta;
declinará o preso dessa oferta.
A luz (somente a luz) a luz liberta,
a luz de que são feitas as partículas
da matéria. Minúsculas. Ridículas.
Mas são o barro com que fomos feitos:
as moléculas, ondas e conceitos,
hard e software por onde explode a vida.

Essa miragem auto-produzida,
penélope a tecer o véu de Maya.
Universo, finíssima cambraia
que a cada volta torna-se mais fina
e através de si mesma descortina
o seu próximo estágio em quase ser.
Diluir-se é uma forma de embeber
tudo quanto nos cerca, como a tinta
no papel a secar sente-se extinta
e não sabe que Alguém a está lendo.

Mundo velho a girar!... Mundo tremendo!...
Foi tão bom ter podido conhecer-te,
vir travando contigo a dança, o flerte
em que me fazes crer que sou querido,
que vim pra transformar-te, pressentido
por filósofos, vates e profetas
(translúcidos titãs que tu projetas
nos écrans da memória coletiva):
um homem quer razões para que viva,
já que a morte prescinde de porquês.

O dia. A noite. Dominós. Xadrez.
Alfabeto de polos em contraste.
(Cai no teu colo o que não procuraste...
basta alguém respirar que acaba achando!)
Como dados febris se entrechocando,
as palavras produzem seu resulto.
E o sentido do mundo arfando, oculto,
à espera de quem o desencante.
Que seria do Inferno sem um Dante
sublimando seu fogo em pura luz?

E essa rima de volta me conduz
ao Natal, que já foi festa pagã
e hoje é festa paga; e amanhã
com que moeda nos farão comprá-lo?
Em que templo haverá Missa do Galo
com roleta, carnê, bilheteria?
Que 5 estrelas sobre a estrebaria?
E esses ternos Armani dos pastores?
Em que mundo, senhoras e senhores,
vim parar, sem sair deste planeta?

Já sonhei pertencer ao IRA, ao ETA,
já sonhei apertar a tecla “Enter”
e ver cacos do World Trade Center
a chover sobre toda Nova York...
Já fui mais proletário do que Górki
(e sou mais leninista que Lenine)
mas em mim tudo isso é sonho, é cine,
mise-en-scène, poesia, science-fiction;
olho o mundo com olhos Robert Mitchum
(esse olhos de inextinguível lombra)...

Só me resta afirmar que canto a Sombra
com esta mesma voz que canta a Luz,
pois não sei qual à outra é que produz
e nunca vi a linha que as separa...
Gira mais, mundo velho! Ele não para,
por mais que se o requeime e descongele;
como cobra, o planeta troca a pele,
descartando a nociva Humanidade...
Mas que diabo, é Natal! Tenha a bondade,
encha o copo... Pois bem: como eu dizia...





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