terça-feira, 8 de junho de 2010

2120) A antiárvore de Natal |(24.12.2009)



(a tal árvore)

Quando eu era pequeno houve um ano em que se montou a primeira árvore de Natal pra valer em nossa casa. Era uma arvorezinha banal, comum, mas não tanto que não me produzisse uma porção de epifanias. A primeira foi constatar que aquelas agulhas verdes de pinheiro eram todas de plástico (murmurei comigo: “É falsa!”). A segunda foi a surpresa de ver que as bolas coloridas, que eu via nas fotos e imaginava maciças e pesadas, eram levíssimas, e feitas de uma espécie de vidro muito fino, que se estilhaçava facilmente (como meus dedos constataram numa infeliz ocasião), frágil (avisou minha Tia Adiza) “como casca de ovo”. A terceira foi a incessante surpresa de ver as lampadazinhas compridas, cheias de água colorida, e que, uma vez acesas, ferviam e borbulhavam sem parar. A quarta foi escutar o comentário jovial de minha mãe: “Agora vamos ter que fazer todo ano, porque dizem que quando a gente faz árvore de Natal em casa e fica um Natal sem fazer, tem morte na família”. Como esquecer um Natal assim?

Razões para perplexidade e incessante deslumbramento têm, também, os frequentadores da Tate Gallery, em Londres, uma das galerias de arte mais famosas (e mais caras) do mundo. Como faz todos os anos, a Tate montou uma árvore de Natal para saudar os clientes, e encomendou o projeto a uma artista. O projeto de 2009 coube a Tacita Dean, e o resultado vem produzido um relativo sucesso-de-escândalo no meio artístico londrino – pelo simples fato de ser uma árvore de Natal com bolas coloridas, velinhas, etc.

A razão do espanto é que a Tate sempre caprichou em árvores que, de acordo com o espírito de vanguarda que caracteriza a instituição, pareciam-se com instalações, intervenções, desconstruções, releituras, tudo menos uma árvore de Natal. Eram coisas que poucos cidadãos se atreveriam a colocar na sala da própria casa. A árvore criada em 2006 por Sarah Lucas, por exemplo, era decorada com “querubins doentios, quase pornográficos, com genitália balouçante”. A árvore de 2007, de Fiona Banner, ostentava o título de “Paz na Terra”, e vinha decorada com aeromodelos de aviões de guerra.

Um artigo de Martin Gayford no saite Bloomberg diz: “Existe um descompasso quase absoluto entre a vanguarda cultural e o espírito natalino. Este último é tradicional, festivo, alegre, voltado para a família; a outra não é nada disso”. A vanguarda seria, então, moderna, austera, triste, afastada dos valores familiares. Pode-se dizer também que o espírito do Natal tende a colocar acima de tudo os valores afetivos e o compartilhamento de emoções agradáveis. A vanguarda, nesse sentido, é brechtiana: quer raspar o excesso de emoções, deixando a nu apenas o osso luzidio e impessoal do raciocínio. A vanguarda quer ser puro pensamento crítico, talvez como uma reação natural à cultura-de-massas, cuja estratégia é a de bajular os afetos, evocar emoções familiares no seu público – e produzir emoções artificiais onde encontra um vácuo.

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