terça-feira, 8 de junho de 2010

2116) Apocalypse Forever (19.12.2009)




Muitos filmes que tenho comentado nesta coluna estou revendo num curso que ocorre (ocorreu -- em 2009) aqui no Rio, no Teatro Nelson Rodrigues, da Caixa Econômica Federal. Chama-se “História da Filosofia em 40 Filmes”, e todo sábado de manhã há a projeção de um filme e depois uma palestra/debate com um dos dois professores (Alexandre Costa e Patrick Pessoa).

 É com entrada franca, mas mesmo assim me surpreendo às vezes em ver cerca de 300 ou 400 pessoas, num ensolarado sábado de manhã, indo assistir um filme preto-e-branco de 50 anos atrás para depois discutir conceitos filosóficos. Será que o mundo se salva?...

Hoje saí achando que não, depois de rever o Apocalypse Now de Francis Coppola, que integra o módulo sobre o Fascismo (quatro filmes: M de Fritz Lang, Taxi Driver de Scorsese, este de Coppola e depois Laranja Mecânica de Kubrick).

A melhor coisa, para mim, foi rever o filme poucas semanas depois de ter lido Heart of Darkness, o livro de Joseph Conrad cuja linha narrativa Coppola transpôs da África de 1890 para o Vietnam/Camboja dos anos 1970. O colonialismo britânico na África do século 19 e a intervenção norte-americana no Vietnam são duas coisas muito diferentes. Mas é como se fossem duas marchinhas diferentes tocadas num mesmo Baile da Ilha Fiscal.

Ainda não vi o Apocalipse Redux, em que Coppola aumentou para quatro horas a duração deste filme, que sempre vi com duas horas e meia. Pode até ser melhor; mas não sinto falta de nada. 

Coppola pode ter ido à falência com este filme, mas poucos filmes de guerra terão alcançado um nível tão primal, tão arquetípico quanto o que o diretor alcança em várias cenas daqui: a carga dos helicópteros ao som de Wagner; a passagem lenta do barco por entre os cambojanos silenciosos pintados de lama cinzenta; a execução simultânea de Kurtz e do boi sagrado; os soldados em desespero jogando-se ao rio de mala na mão à passagem do barco e pedindo para ir embora; cenas que o cinema nunca fizera ou pelo menos nunca fizera com tal impacto.

Em momentos assim, o Vietnam deixa de existir, ou melhor, Coppola nos faz perceber que aquilo que chamamos “o Vietnam” (em História, não em Geografia) existe desde o dia em que um troglodita rachou o crânio de outro.

Imagino o que Joseph Conrad (que chegou a conhecer bem o cinema, pois só morreu em 1924) pensaria ao assistir este filme de Coppola. Talvez imaginasse que o destino do homem ocidental é produzir sistemas cada vez mais complexos de exploração dos primitivos. Pensaria que essa exploração é conduzida pelos medíocres, pelos medianos, pelo que ele chama de “os Mefistófeles de papel-machê”, e que nesse sistema gigantesco de triturar destinos humanos só os medíocres sobrevivem e se dão bem. Os homens de gênio, como Kurtz, fracassam porque tentam procurar o limite do mundo que defendem, e onde quer que se aproximem desse limite só encontram “o horror, o horror”.






2 comentários:

Unknown disse...

Só corrigindo uma confusão comum: Coppola não foi à falência com Apocalypse Now. O filme diversas vezes estorou o orçamento e acabou sendo a produção mais cara até então (31 milhões de dólares). Mas a exemplo de Titanic e Avatar, recuperou na bilheteria todo o investimento: mais de 83 milhões de dólares.

Indiretamente no entanto, pode-se afirmar que o sucesso de Apocalypse Now resultaria na falência de Coppola, visto que possibilitou a ele abrir seu próprio estúdio, desenvolver novas tecnologias que não foram pra frente e fazer um filme muito pretensioso que no entanto não fez dinheiro algum: One From the Heart. Mas isso é outra história.

Braulio Tavares disse...

Obrigado pela correção Laerte. Sempre se diz por aí que foi "Apocalypse" quem afundou o barco de Coppola. Mas olhe, eu gosto de "One from the Heart", que foi fracasso de público e de crítica mas na época vi 2 vezes e gostei. Talvez precise ver de novo, quem sabe?